Chiquito beijou a mulher que dormia na cama com ele. Levantou, calçou o tamanco feito de couro de cachorro-do-mato e pau de laranjeira, esbarrou na cortina de chitão encardida que separava sua cama da cama das crianças que também dormiam. Foi para a cozinha. Soprou um tição até aparecer brasa, tafulhou no valo do fogão o mesmo. Juntou mais gravetos para pegar fogo. Mergulhou um canecão no pote para caçar água, e pô-lo para esquentar, mode passar um café fresquinho. Rodou a tramela, abriu a porta para espiar o tempo. Uma rajada de vento oeste lambeu-lhe a cara, fazendo-o tiritar de frio. Credo! Voltou aos seus afazeres no fogão. A madrugada principiava. O céu tremulava de estrelas barrocas, mesmo com aquele vento. De certo que o mar não estava prestando. Quem era o bocó de argola que enfrentaria o mar daquele jeito? Não seria ele. Caçou o coador de flanela e cabo de arame que pendia enfiado no envarado da parede. Encheu com pó de café pilado à tardinha. Com o café pronto, engoliu uma golada de uma só vez. Pensou em voltar para cama, sabia que ir pescar era impossível com aquele tempo formado. O jeito era preencher o tempo fazendo bobices com a patroa. Foi quando uma forte luz iluminou a cozinha, desnorteando Chiquito que deixou a caneca cair no chão de susto. Um vulto emanava aquela iluminicência. Abduzido por aquela luz, Chiquito viajou rumo ao céu, atravessou o telhado. Via de lá de cima tudo ficar pequenininho. Estava no reino das estrelas. Perto das Três Marias. Viu uma metrópole, formada de castelos de águas cristalinas, que dependendo do angulo furtavam a cor como diamantes gigantes. Pronto, estava em Orion. A luz lhe disse: - Bem-vindo a Orion, o berçário das estrelas! Chiquito mastigou as palavras: - Que to fazendo aqui? Que voismecê qué di mim? A claridade diminuiu um pouco, e Chiquito pode ver inúmeros pontinhos brilhantes que piscavam sem sincronia. A luz mais forte falou: - De hoje em diante você é o escolhido para vigiar nossos bebes estrelas quando forem brincar na Terra durante sua noite. E mais tarde, você virá definitivamente para cá em forma de bebê também. Num segundo, Chiquito se viu novamente na beira do fogão de lenha que ardia em brasa. Em brasa também estava o olhar de sua mulher que dizia: - Há sujeito! Tais sonhando traveis é? Sussega homê! Venha molentá na cama, que com esse vento num dá pra sai pescá. Chiquito contrariado resmungou: - Eu vigiá bebê estrela? Pois sim! É ruim hem? Tome tento!
Nota do Editor: Fátima Aparecida Carlos de Souza Barbosa dos Santos, ou simplesmente Fátima de Souza, é, sem dúvida, a primeira caiçara da sua geração a escrever sobre temas do cotidiano local. É autora de Arrelá Ubatuba.
|