Ainda me vejo correndo pelo pátio da capelinha de Nossa Senhora das Dores no Itaguá durante o recreio das aulas de catequese. Ainda ouço os chamados da catequista, para retornarmos as aulas sob a observação e descontentamento de nossas algazarras do senhor Albino Alexandrino. É assim todas as vezes que fecho os olhos e me ponho a relembrar toda uma vida vivida sob os olhares da santa. Lembro-me como se fosse hoje aqueles idos de 1967, quando fizemos a primeira comunhão. Os dias que antecediam ao evento, Seu Albino meteu o martelo num cofrinho de madeira que ficava atrás da porta de entrada da capela e recolheu todo o dinheiro, entregou a mim, para que comprasse cera pro chão e velas para a cerimônia de comunhão. Isso depois de todo um ano ralhando conosco para não detonar com as plantas do jardim durante nossas brincadeiras de pique - esconde, queimada etc. foi uma cerimônia linda. Seu Albino fez questão de sair em todas as fotos com todos o catecúmenos. Lembro-me das rezas de maio, quando nós crianças levávamos flores e pétalas de flores para sua coroação. E em junho era festa de Santo Antônio, São João e São Pedro. Fogueiras gigantes, tiração de festeiros, capitão do mastro e bandeira. Meu pai produzia uma bandeira toda iluminada com lâmpadas a pilha. Ah! A quadrilha irreverente por seus trajes inusitados. A dança da fita. A quermesse cheia de guloseimas. Era impossível resistir ao quentão de Dona Celeste, o bolo de mandioca com goiabada da Salete, a empadinha e pizza enrola da saudosa Dona Antônia, e os bolos de pão de ló, recheados de creme com abacaxi, cobertos com muito chantilly que só as meninas de mãos de fadas sabiam fazer, para as festas das crianças. Não é Lilinha, Luizinha, Néia e Cia? Crescemos com esse apego carinhoso que nos foi passado. Entra em cena eu e Lúcia Elisa. Companheira de ideal. Por muito tempo envolvemos toda a comunidade católica do bairro com nossas idéias de agregar sempre mais evangelizando nossas crianças através do teatro. Talvez síndrome de Anchieta. Durante as missas a homilia era feita com a encenação do evangelho com a conotação dos dias de hoje. Assustamos todo mundo! Mas tivemos todo apoio do pároco Frei Angélico, que viu ali um novo veículo de inclusão. Depois construímos um palco fora da capela para encenarmos os causos do bairro durante as festas. Eu escrevia e dirigia as peças. Lúcia, era a camareira, cabeleireira, maquiadora, figurinista, psicóloga, produtora, amiga, e ainda atuava. Uma vez fechamos a Av. Capitão Felipe para a passagem de uma noiva que adentrava todos os estabelecimentos comerciais atrás de seu noivo. Arrastando assim todo mundo para a festa da capelinha. Só não contávamos com o estreitamento do portão de entrada. Foi um tumulto só. Contamos a vida de São Francisco de Assis dentro e fora de Ubatuba. E foi seguindo o exemplo de São Francisco que a comunidade se tornou forte até hoje. Sempre uma pedra e uma benção! Ainda posso ouvir os vozeirões masculinos cantando: ”João sois tão puro e bom, senhor de tanta valia... E as cálidas vozes femininas cantando: “Santa Maria mãe de Deus rogai a Jesus por nós...” Ainda posso ouvir o capelão Joracy rezar a ladainha de Nossa Senhora em latim, Só lembro do: ”Ora pro nobis”. Ainda posso ouvir o bramir das ondas do mar na praia no silêncio total da capelinha, elas ecoam no altar, rememorando a força e o poder de Deus. E agora quando vejo o progresso conquistado em todos esses tempos e me defronto com tamanha beleza, me vem uma vontade imensa de cantar em altos brados: “Bendita sejais, Senhora das Dores, coroada nas estrelas, cercada de flores!” Sua benção Mãe Santíssima!
Nota do Editor: Fátima Aparecida Carlos de Souza Barbosa dos Santos, ou simplesmente Fátima de Souza, é, sem dúvida, a primeira caiçara da sua geração a escrever sobre temas do cotidiano local. É autora de Arrelá Ubatuba.
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