Antónho hoje chegou tão aíbo, arribado, que só largou as tralhas de pesca no canto da casa e se bardeou na cama. Tava cá cara tão encarnada como um camarão cozido. Um febrãoooooo, tão grande, mais tão grande, mais tão grande que cuá. E o tremô de frio... Santisso, que que vou fazê com esse hôme anssim, dessa jeito agora Sinhô? Matutei com meus caraminguás: - Tor Piza não tá aí na casa dele no Tinóro. Agora, despois que ele se meteu com a perfeitura, não tem tempo mais pra acudi a gente, nessas horas de tromenta.. Tem o Filhinho... Mais essas hora ir amolar o homem... é capaiz dele sortá a estiranda ni nóis. Pai do céu! Pensa mulhé de Deus, pensa, pensa só um cadinho, o que vois mecê vai fazê pra cuidá de Antonho seu marido? Doutra vez que se assuscedeu-se isso, se assucedeu com nosso filho Bidiquinho. Bidiquinho meu filho foi reiná no rio atrás de camarão pitu ou mandi, sei lá o que. Só sei que foi lá pras banda da Jundiaquara, e vortou anssim, quente. Tão quente, mais tão quente, que a cara dele parecia aquela abroba moranga, aquela que os pescadô quenta no barco pra jogá guela adentro do titureira. E, Bidiquinho agonizava de tanto tremô. A diaba carcumia ele. Ele dilirava. Ele gimia como meu ingenho de cana. Um anjo de Deus acendeu uma lamparina na minha cachola embananado pelo disispero. Passei a mão no pote de banha de galinha, espalhei um punhado anssim, lambuzei uma mãozada daquela meléca, num pedaço de papé pardo, um papé que veio de pacote da venda do Reiné Vinherão, aíi espalhei bem. Quentei anssim, anssim na boca do fogo. Quando ficô bem quintuinho e não pelando, emprastei no peito do Bidiquinho. Daí cogitei mais ainda. Rifriti: - Acho que vou milhorá isso. Corri na casa de Sinhá Josefa. Cheguei lá arfando: - Sinhá Josefa me acuda, perciso de umas folha de baga, pra mode curá meu filho Bidiquinho. Então ela disse: - Não é baga mulhé de Deus, é mamona. Donvirgina Lefreva já não disse pra nóis falá certo. Então é mamona. Aíi eu disse: - Que seja, me de cá a tar mamona. Cheiguei em casa peguei as folhas, quentei no fogo, moquequei anssim na minha mão e enlheei nas pernas de Bidiquinho meu filho. Cochei uns trapos velhos em vorta pra não sortá. Gasalhei ele bem com as cuberta. Até a corcha que ganhei de casamento da comadre Ritinha entrou. Uma corcha linda de retalho que só ela sabia fazê. Hum arrelá comadre Ritinha, que Deus a tenha na sua Santa Glória. Tudo isso com a janela fechada e no escuro. Pra mode que a luz não estragasse o sirviço. Bão, ele dormiu, e eu lá velando ele. Uma hora me bateu uma fome de arrancá cipó, de tirá imbé. Fui até a cozinha, passei a mão num rabo de peixe seco, que tava pra cima do fumeiro, espalhei um pouco de brasa do fogão, deitei a bicha ali, e deixei i amolentando. Coei um café, e mandei pro bucho. Café amargo com uma cuia de farinha e peixe assado, o cuá que diliça! Vortei pra cabeceira do meu filho, e anssim passei a noite toda. Entre um cochilo e outro, dava uma pitada no meu cachimbo de barro com fumo de rolo pra mode espantá os pirnilongos. Que além de dá as rabanadas na cara da gente, ainda sonatava mais que folião da Folia do Divino. Lá pelas tantas o galo Gabrié cantou, me pus de pé. Na cozinha passei um café novo, cozinhei us mangarito e esperei o minino acordá. Acordando que seja, fui tê com ele. Tava bão. Por essa lúiz. O minino tava tinindo de bão. Retirei os remédios. Seis não acreditam; a folha de baga tava tão seca, mais tão seca que quebrava anssim na mão da gente. Aí Bidiquinho tomou café, pois tava com uma fome de comê o guardanapo da Santa Polonia, como dizia o padre. Mas não deixei ele brincá lá fora. Falei: - Bidiquinho meu filho, voismecê vai ficá na cama por treis dias, não vai tomá banho, nem água fria, muito menus pegá vento. Porque se voimecê tomá um gorpe de ar depois desse sanapismo, voismecê fica torto. Anssim foi. Ai meu Deus o Antónho! Me dêem licença, vou a casa de Sinhá Josefa buscá folha de baga, ou seja, de mamona pra móde curá o Antónho. Cada uma! Que mais parecem duas. Inté!
Nota do Editor: Fátima Aparecida Carlos de Souza Barbosa dos Santos, ou simplesmente Fátima de Souza, é, sem dúvida, a primeira caiçara da sua geração a escrever sobre temas do cotidiano local. É autora de Arrelá Ubatuba.
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