João estava sozinho em casa. Pratos sujos pela pia, mesa desarrumada, geladeira vazia. Tomou um café dormido com pão duro. A empregada não apareceu. Ele se animou. Dia perfeito para cozinhar. Poderia, enfim, desempenhar seus dotes culinários. Olhou a despensa e viu o que poderia utilizar. Separou o macarrão e uma lata de atum. - Ah! Prepararei um delicioso macarrão ao atum “molhado” – porque é atum com molho de tomate –, com alho e azeite. Magnífique! – beijou as pontas dos dedos – E, para acompanhar, um vinho tinto formidável. Sem álcool, é claro, porque sou crente. Limpou a mesa, colocando todos os pratos, talheres e copos sujos na pia. Retirou bagaço de pão e a toalha. Passou uma bucha para lavar. Na pia, lavou tudo. Arrumou panelas, pratos e talheres no escorredor. Os copos quebrados, no lixo. As colheres mal lavadas, de novo na pia. As panelas engorduradas, encheu-as de água e as escondeu num canto qualquer. Leu a receita que estava no fundo da lata de atum três vezes. - Um dente de alho, azeite, o molho e o macarrão cozido. Foi na geladeira. Caçou o alho – só havia um dente. “É o meu dia”, pensou. Pegou o azeite. Procurou o macarrão cozido na despensa. - Massa para lasanha, parafuso, para sopa... não tem desse aqui. Releu a receita e entendeu o que dizia. Deu um sorriso sem graça. Acendeu o fogo, separou uma panela, encheu-a de água e a pôs no fogão. Colocou óleo e sal. Mais um pouco de sal. Tampou-a completamente. Foi tomar banho. Pegou a toalha, ligou o som, olhou-se no espelho. Trancou a porta. Tirou a roupa. Cobriu-se com a toalha e abriu a porta. Foi até a cozinha. Retirou a tampa da panela. Deixou-a meia aberta. Voltou ao banheiro. Tomou seu banho, arrumou-se e tornou para a cozinha. A tampa já estava balançando: a água borbulhava. Fez um pequeno alongamento nas mãos, braços e pescoço. Deu um grito de guerra. Jogou o macarrão dentro da panela. Ajeitou-o com o garfo. Pôs a tampa. Separou uma frigideira. Aguardou o macarrão parodiando Singin’ in the rain. - Laralaralala lalalalala Hoje vou namorar... Vou, vou namorar... Meu amor, eu vou beijar! Aaaaah! Eu vou beijar! – imitando os passos de Gene Kelly. Rodou na cozinha, puxou cadeira, abraçou a porta e a fez dançar sua música. Tentou inclinar-se segurando a maçaneta, mas acabou quebrando-a e caindo. Levantou-se, deu um sorriso e continuou a cantoria. Estava feliz. Felicíssimo. Radiante. Pegou o telefone e ligou para a namorada, que trabalhava por perto. - My Love! - Quem está falando? - Sou eu, Rose. Seu Jack... - Ah! João. Aqui é Maria. Vou chamar sua amada Rose... – caiu na gargalhada. - Tu-tudo... – não conseguiu completar a frase, tamanha a vergonha. A namorada pegou o celular. - Oi! - Bernadete, não deixe sua prima atender... fiquei... Quer almoçar aqui comigo? - Hoje? Pode ser... – ela não sabia que ele iria cozinhar. - Pode ser? - Eu irei. Beijos! Desligou o telefone e correu para o fogão. O macarrão já estava quase pronto. Pegou o abridor de latas e começou o árduo trabalho: ele não tinha habilidade com essa ferramenta. Forçou, forçou e conseguiu encaixar. Foi abrindo, abrindo, na metade, a mão escorregou e o molho esguichou, atingindo o fogão e a parede, além da própria pia. Passou um pano. Ligou outra boca, pôs a frigideira. Despejou um pouco de azeite. Acrescentou o alho esmagado. Um delicioso cheiro cobriu a cozinha. Fechou os olhos, abriu um sorriso e sonhou. Cantou novamente, enquanto buscava o vinho. Provou o macarrão: mais do que pronto. Jogou-o no escorredor. Com duas panelas quentes na mão, demorou e esqueceu a frigideira. Ligou a torneira, retirou o macarrão preso no fundo da panela. Molhou o que havia no escorredor. Quando terminou, voltou-se para o fogão. O alho queimara. Numa atitude impensada, despejou o macarrão e o atum, quase sem molho. Subiu uma fumaça. Mexeu daqui e dali. O alho parecia pequenos pedaços de azeitona preta. Provou um pouco: sem sal. Melancólico, resolveu se afogar no vinho sem álcool. Encheu o copo e deu a primeira golada. Jogou de volta no copo. Comprara errado. Era sem açúcar. Começou a chorar. - Minha namorada vai terminar comigo... Abriu a despensa novamente, já desmotivado. Viu um pacote de macarrão instantâneo. Dois. Três. Separou-os, preparou a panela com água e acendeu a boca do fogão. Pegou adoçante no armário e despejou incontáveis gotas no copo de vinho. Provou. Aprovou. Fez o mesmo processo na garrafa, aumentando a quantidade de gotas. Mexeu-a. Provou. Despejou mais gotas. Mexeu. Provou. Leve gosto de adoçante, mas delicioso. Enquanto a água fervia, preparou o ambiente. Limpou a sala, retirando as blusas e meias espalhadas pela sala, além de papéis e livros jogados pelo chão. Varreu. Jogou um produto para perfumar. Foi tomar um banho rápido. Perfumou-se completamente. Voltou para a cozinha. A água fervia. Jogou os pacotes de macarrão e aguardou. Escorreu, pôs no prato, jogou o tempero pronto. Ela tocou a campainha. A sala já estava preparada. Um puf foi escolhido para ser a mesa. Vinho tinto, flores artificiais, uma música agradável. Ela entrou. Abriu um sorriso. - John! Que romântico! Vou sempre almoçar aqui! - Deixe para quando nos casarmos... – pensou no trabalho em cozinhar. - Está pedindo-me em casamento... – os olhos dela cresceram – Eu aceito! - Ah. Que... ótimo. – olhando o almoço, desanimado.
Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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