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COLUNISTA
Mateus Modesto
29/04/2009 - 07h01
Noite inesquecível
 
 

Não havia dia mais importante para Bárbara do que aquele. Cabelos alisados e penteados, vestido verde brilhante e sedoso, brincos longos e maquiagem perfeita. Nem na festa de debutantes havia tanto glamour. Era a sua formatura.

Sua família havia preparada uma linda festa para depois da formatura. Adulta e infantil ao mesmo tempo. Algo bem descontraído – o que ela amava. Primos, tios e avós, até amigos de longas datas e distâncias, amontoar-se-iam naquele espaço para testemunhar de umas das noites mais animadas e comemoradas do mundo – do mundo de Bárbara, claro. Seu namorado Derinei ensaiara Angel na gaita. E havia tomado algumas aulas de canto, para arrasar. Seria uma bela surpresa.

A formatura correu dentro dos conformes. Muitas lágrimas, gritos, pipocos de bexigas, buzinas e declarações rasgadas de amor aos pais e filhos e maridos e esposas e ex-colegas e ao Brasil. Emocionada e sob efeito de alguma droga lícita, uma menina pegou um copo com água, jogou-a na boca e brincou de chafariz. Mas tudo era festa. Foi aplaudida de pé.

Quando finalmente terminou, Bárbara beijou quem aparecia para parabenizá-la e correu em direção ao carro do pai. Não suportava ficar mais por ali. Queria seus amigos, sua família, sua comemoração particular. Era a sua noite.

E ela prosseguiu sem grandes novidades. A bebida estava ótima, a comida também, os convidados, todos animados. Principalmente a avó, Dona Rina, que dançara pela primeira vez uma valsa. Entretanto, havia alguns indesejáveis que ela preferia nem ter chamado: a prima-quase-irmã invejosa, o ex-namoradinho-primo cheio de ciúmes, a tia gorda analisando e contabilizando as calorias de cada prato e o tio solteiro e mal vestido jogando todo o seu charme para os broto.

No meio da noite, antes do cansaço tomar a todos, o momento do discurso começou. Bárbara ficou de camarote, a ouvir seus amigos e parentes relembrarem seu passado e profetizarem o futuro. Tudo muito clichê. Até Derinei subir ao palco.

- Vai, amor! – gritou ela.

Ele sorriu e iniciou o mais poético dos discursos. Falou do primeiro beijo, o primeiro presente, as rosas murchas, o primeiro jantar à luz de velas, a primeira fatura do cartão de crédito depois de se conhecerem.

- Lindo céu e suas nuvens, belo mar e suas ondas, a brisa e a ventania, o verde da natureza e seus selvagens e estranhos habitantes. Montes e montanhas. Água e fogo. Chuvas e sol. Areia e mangues. Viajaria o mundo, mas nada encontraria tão Bárbara quanto você.

Todos riram. Sentia-se em um show de improviso. E os primeiros quinze minutos passaram. Até que ele resolveu dar seu grand finale. Conversava, enrolava e punha a mão nos bolsos.

- Bom, pessoal. Para finalizar, queria fazer um... um... uma...

Deixou cair o que usaria. Ajoelhou-se para pegar. Todos abriram a boca e emitiram um “oooh!”. As mulheres, eufóricas, começaram a gritar e rir e chorar – ao mesmo tempo. Alguns homens disseram que sua atitude era corajosa. Bárbara pôs a mão na boca, levantou-se lentamente e subiu no palco. Os demais ficaram de pé, aplaudindo-os.

- Esse é o meu garoto! – gritou o pai.
- Valeu, irmão!
- Que menina de sorte! Que casal lindo!
- E a lua-de-mel?
- Ele está louco???
- Terei muitos netinhos!!! – comemorava a sogra dele.

Chovia comentários. De todos os níveis.

Derinei não havia entendido. Continuou de joelhos. Sua namorada, a cinco passos dele e chorando. Inúmeras câmeras digitais surgiram. Flashes e mais flashes. Um instrumental de Eu sei que vou te amar embalava o momento. Um garçom com duas taças de champanhe surgiu repentinamente.

Bárbara nem esperou ele perguntar. O “Sim! Sim! Sim!” era a única coisa que ela, seus pais e amigas entoavam. Um churrasco havia sido marcado para o dia seguinte. Pacote de lua-de-mel também, prometido pelo tio rico dele. Enxoval bordado pela mãe dela, televisão digital de 32” da prima dele, banho de noiva pelo sogro dela. Uma lista de presentes foi improvisada naquele momento. Assim como uma de possíveis locais para a noite de núpcias, casamento, madrinhas e padrinhos, flores para ornamentação.

A bandinha agora tocava Unchained Melody. Pais e os sogros da pequena menina não escondiam a felicidade e as lágrimas. Os convidados estavam em pé, silenciosos, contemplando o amor. Os dois se abraçavam. Bárbara parecia flutuar, tamanha alegria. Derinei permanecia confuso. E a gaita, caída do seu bolso, continuava ali, intocável, no chão.


Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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