– Amor! – Hum. – Faz um favor pra mim? – Hã. – Arruma a nossa cama? – Agora? – É! – Não. – Por que não? – Agora não posso. – Como não pode? Estás aí sentado sem fazer nada... – Estou assistindo a televisão. Ao jogo de futebol, melhor dizendo. Não estás vendo? – Ou seja, não fazendo nada. – Não sei se tu sabes, mas a televisão é um importante meio de propagação de informação, conhecimento e entretenimento. – Mário Sérgio, por favor! – Pois é, Mário Sérgio também é sinônimo de cultura... – Era só o que me faltava... Eu joguei pedra na cruz mesmo! – Eu sou o cara! – Ô, cara! Vais arrumar ou não? – Antes... Tem uma questão em relação à cama que sempre me intrigou e quero que me expliques... – O quê? – Analisa a situação por uma linha lógica de pensamento e me responde: por que arrumamos a cama de dia se vamos nos deitar nela e bagunçá-la novamente à noite? – Meu Deus! – Não achas que é mais lógico deixá-la desarrumada? – Arrumamos para ficar arrumada, ora! – Pra quê? – Pra... Pra... Pra ficar com o quarto bonito... Sei lá! – Pra quê? Se só nós que entramos ali... – Pelo amor de Deus! Não complica, Mário Sérgio! Eu não posso querer um quarto bonito? – Pode. – Então... Arruma lá! Imagina se chega visita, hein? Que vergonha aquela bagunça! – Se chegar... Se... Se... Sempre na condicional... Nesta sempre me ferro... Nunca vem ninguém sem avisar! Além do mais, qualquer coisa é só fechar a porta do quarto... – Não precisa mais arrumar, Mário Sérgio! – Eu arrumo. Mas não foste tu mesma que falaste esses dias que adora dormir com a cama revirada, com o edredom bagunçado, hein? – Não precisa mais. Só vou colocar as roupas na máquina de lavar e volto para arrumar. – Eu arrumo. Só tem uma coisa antes... – Que coisa? – A da simpatia, que eu esqueci... – Que simpatia, Mário Sérgio? – A da forma de arrumar a cama... Se se arruma da guarda para os pés ou ao contrário... – Que simpatia? Não tem simpatia nenhuma! – Tem sim! Meu avô sempre falava que tinham duas coisas que influenciavam na felicidade do casal e o arrumar a cama é um deles! É uma simpatia antiga e que conserva a harmonia do casal no berço da paixão. – Ah é? Mesmo? Tu nunca tinhas me falado sobre isso... – Mesmo! Se não falei foi um ato falho meu... Desculpas! – Foi nada! – Não falei também porque provavelmente tu estavas arrumando do jeito certo, afinal, nós somos felizes, não? – Ué! Somos! – E não quereres romper esta felicidade, né? – Não! Claro que não! – Então, me mostra lá como tu arrumas a cama para eu fazer igual... – Ah... É simples... Faço assim, ó... Só puxo o lençol assim... Pego o edredom e aliso assim por cima... Dou uma alinhada nos cantinhos... E dou arrumadinha nos travesseiros e pronto! – Hum... Tu arrumas do pé da cama para a guarda. Nem notaste, né? – Não! – Então, guarda esta ordem! É fundamental para a nossa felicidade! – Ah, espertinho! Agora que me dei conta... – O quê? – Me enrolou direitinho e eu acabei arrumando a cama, hein? – Nossa felicidade estava em jogo! Queria o quê? – Abobado! – É sério! – Dá um beijinho, dá! Como pagamento... – Smack! Mmm! – Smack! Mmm! Bem! Mas segundo o teu avô, duas coisas influenciam na felicidade do casal. Se uma delas era a ordem... – A bem da verdade, não era bem a ordem e sim quem arrumava a cama... Mas eram outros tempos... Naquele tempo os homens não tinham qualquer atribuição nos serviços domésticos e tal... Uma visão mais machista e tal... – Hum... Sei... – É... E a simpatia eu não sei quem me falou... Nem sei se é verdade... Então, eu só juntei o que o meu avô dizia com a tal simpatia... – Sei... Tudo isso para não arrumar a cama, hein? – É... – Que preguiça, hein? E a segunda coisa? – A segunda coisa... – Fala, Mário Sérgio! – Não vais ficar braba, certo? Promete pela nossa felicidade? – Fala... – Bem... Além de não querer arrumar a casa, eu queria continuar a assistir ao jogo... Então, também me lembrei do meu avô... – E? – E... E... E ele sempre questionava: por que mulher tem que encher o saco da gente justamente no horário do futebol, hein? Assim não se pode ser feliz! E Mário Sérgio dormiu aquela noite no sofá...
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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