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COLUNISTA
Rodrigo Ramazzini
20/09/2015 - 10h04
O pedinte da rodoviária
 
 

– Licença! Boa noite! O senhor tem um minuto?

Era noite de uma quinta-feira. Sérgio acabara de sentar em um banco da rodoviária, depois de mais um dia de trabalho, a espera do ônibus de volta para casa, que só sairia dali a 15 minutos, quando um homem sentou-se no banco ao seu lado e puxou conversa. Sérgio respondeu secamente:

– Boa noite! Fale...
– Meu nome é Ismael. É o seguinte... Eu não sou daqui. Cheguei aqui na capital hoje pela manhã e logo fui assaltado ali no Centro por dois caras armados. Colocaram os revólveres na minha cara e deram uma coronhada na minha cabeça. Levaram todo o dinheiro que eu tinha na carteira, o celular e até a minha aliança. Fiquei sem nada. Fui à prefeitura pedir ajuda e eles me conseguiram uma passagem de volta para a minha cidade. Só que para amanhã... Sexta-feira... Eu estou sem comer desde a manhã. Eu sei que não é permitido pedir dinheiro aqui na rodoviária... E se eles me veem, até me expulsam... Mas, o senhor não me consegue um trocado para eu comprar um pastel para matar a fome? É difícil estar nesta situação de pedinte... Sou homem trabalhador... Pai de família... Tenho duas crianças para criar, sendo que uma delas é especial... O senhor sabe como é...

Sérgio olhou o pedinte de cima a baixo. Era um homem alto, magro, de pele branca, cabelos curtos e escuros, sobrancelhas grossas e nariz acentuado. Calçava um tênis com aparência de novo, o que chamou a sua atenção imediatamente. “Se os caras roubaram até a aliança por que deixaram os tênis? Esta história está mal contada...”, pensou. Para disfarçar e seguir a sua avaliação, fez um comentário corriqueiro sobre a questão da segurança:

– Não está fácil hoje em dia. A violência está em todo o lugar e a toda hora...

Teceu o comentário e seguiu a analisar o homem. Ele vestia uma calça de brim desbotada, uma camiseta vermelha e uma jaqueta. Muito bem apresentável para um pedinte. Ainda, portava uma pequena mochila, o que reacendeu nova desconfiança em Sérgio. “Não tinha roubado tudo? Como ele tem uma mochila?”, perguntou para si mesmo.

– A violência está demais mesmo. Estou ainda em choque!, respondeu o homem ao comentário de Sérgio.

Silêncio entre os dois. Os detalhes da recente conversa com o homem que lhe pedia dinheiro agitavam os pensamentos de Sérgio. As conclusões foram saindo em forma de impulsos cerebrais:

“Se ele não é daqui, como ele sabe que não pode pedir dinheiro na rodoviária?”

“Onde ele mora que só tem ônibus amanhã de manhã? Que eu saiba tem ônibus para tudo que é lugar a toda hora.”

“Estranho a prefeitura ter conseguido a passagem, mas não abrigo e algo para ele comer.”

“Só pode ser mais um desses vagabundos que pedem dinheiro para comprar cachaça ou crack e que largou a mulher e um filho no mundo para viver na rua.”

Sérgio e o homem se olham novamente. Então, ele indagou:

– Vais poder me ajudar?

Sérgio respondeu que não tinha dinheiro, que final de mês é complicado, e desejou sorte ao homem, que levantou do banco e saiu constrangido.

“Eles acham que passam a gente para trás com esta lábia! Que são espertos! Mas eu sou mais esperto”, pensou Sérgio, que logo embarcou no ônibus.

Quando o ônibus deixava a rodoviária, pela janela, Sérgio enxergou o homem sentado em uma lancheria, comendo um pastel.

“Será que eu fiz um mau julgamento do homem? Será que ele estava falando a verdade? Será que era realmente apenas um homem faminto?”, refletiu sentindo certo remorso.

Ao chegar a sua casa, com o sentimento de culpa, orou pedindo perdão e que Deus iluminasse a vida daquele homem.

Enquanto isso, Ismael descansava em um banco da rodoviária e mascava um chiclete, depois de matar a fome comendo um pastel pago do próprio bolso. Estava à espera da próxima vítima. Era um conhecido “trambiqueiro” da área, que passava o dia pedindo dinheiro, realizando pequenos furtos ou vendendo mercadorias Made in China. Dependia do dia...


Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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