A notícia de que o corpo do Firmino fora encontrado pelo carteiro já sem vida, atrás de algumas plantas e próximo da garagem da sua residência, se espalhou rapidamente pela população da pequena cidade. – Acharam o Firmino morto no pátio de casa! – informavam um a um os moradores. Firmino morava em uma casa de esquina, com o pátio fechado no seu entorno por grades de cor marrom. Ele era conhecido de todos, pois fora proprietário de uma barbearia e presidente de um clube social por quatro mandatos. Acionada pelo carteiro, a polícia isolou o local, cobriu o corpo com um lençol branco e informou aos familiares que começavam a aparecer: – Vamos ter que esperar a perícia chegar da capital para liberarem o corpo! Era sabido que a espera pelos peritos demoraria de três a quatro horas. Fora a senha para que uma multidão iniciasse a peregrinação rumo à casa do Firmino para ver e tirar fotos para postar na internet do morto estendido no chão, mesmo que a vegetação do pátio e o lençol deixassem muito pouco a ser visto por quem olhasse pelas ruas que contornavam a residência. Entre as grades de proteção do terreno, enxergavam-se apenas os sapatos do falecido. Entretanto, isso não fora um empecilho. O negócio era sanar a curiosidade. Curiosidade essa que acabou provocando um acidente, quando o dono de uma renomada cafeteria da cidade perdeu o equilibro e caiu de uma árvore ao tentar ver o corpo. Quebrou dois dedos do pé esquerdo. Logo que as duas funerárias da cidade souberam do reboliço mandaram seus representantes para dar condolências aos familiares e disputar o “presunto”. Um vendedor de “churrasquinho de gato” percebendo o povo em romaria ao local em um número cada vez maior, correu em casa, pegou seus equipamentos e dez minutos depois já estava com tudo armado e enfumaçando toda a rua. O engraxate a oferecer seus serviços e um missionário a convidar todos para o culto. As rádios e jornais locais passaram a transmitir e acompanhar o caso intensamente. Um pretendente a vereador nas próximas eleições a discursar sobre a violência dos nossos dias atuais. Enfim, o “circo” estava armado. E, enquanto a perícia era aguardada, a procura por uma única resposta inquietava os “investigadores de plantão” e pautava os bate-papos da população: – Do que será que morreu o Firmino? A tese de que deveria ter morrido de causas naturais devido à avançada idade imperava até que uma série de hipóteses entrou em campo, associada a um desencontro de informações e a graciosos inventores de histórias que sempre aparecem nestes casos, ajudando a disseminar a onda de boatos pela população. Firmino andava descontente com a vida. Com isso, a versão de suicídio ganhou força. Outra corrente de suposições projetava que, pela maneira que o corpo estava atirado no chão, um simples tropeção e a batida com a cabeça no chão, poderia ter provocado a sua morte. Não demorou muito para aparecer um dizendo que havia escutado um barulho semelhante a um tiro por aquelas redondezas, um pouco antes de o carteiro encontrar Firmino. A realização do disparo foi incorporada nas cogitações do que ocorrera e a versão de que ele se matara com um tiro espalhada rapidamente. Outros contrariavam esta hipótese porque ouviram dizer que os primeiros que chegaram ao local viram Firmino com três marcas ensanguentadas no tórax, que pareciam de facadas. Ou tiros. Se forem três tiros, provavelmente, ele não se matou. Ou seja, alguém matou Firmino. A facadas ou tiros. Ele tinha alguns inimigos e os seus nomes começaram a ser projetados como suspeitos. “Será que não foi o fulano?”, perguntavam-se. A polícia não descartava nenhuma hipótese e, como sempre, também, já tinha suspeitos para todas as versões. Viram um homem passar correndo pela rua, mas não souberam precisar o horário. Podia ser um desses inimigos que executou o “serviço” e fugira o mais rápido possível. Ou um ladrão. Se fosse um ladrão, o que pode ter acontecido é que Firmino o pegou no momento do crime e este o atingiu com tiros ou facadas. Que em uma nova cogitação já haviam subido para o número de cinco. É a história e suas versões. Com dificuldades para entrar com o carro na rua devido ao grande número de populares, a equipe de peritos chegou 4 horas depois de comunicada. Para desespero do povo que assistia a tudo, o local em que estava o corpo de Firmino foi isolado com uma lona preta, em forma de parede. Ninguém viu mais nada. A perícia fez o seu trabalho e deixou a casa de Firmino sem dizer uma palavra. O corpo foi removido para o Instituto Médico-Legal para a continuidade da perícia. Aos poucos a população foi se dissipando da rua e o “circo” sendo desmontado. Poucos apareceram no velório no dia seguinte para confortar a família. A morte de Firmino foi assunto na cidade por apenas mais dois dias. Logo, a curiosidade sobre quem seria o pai da criança que a filha do prefeito estava esperando tomou as rodas de conversas do município. Ele acabou esquecido. Quatro meses depois, a esposa de Firmino, que era 20 anos mais nova que ele, foi presa pela polícia. O laudo pericial sobre a morte de Firmino apontou a presença de veneno de rato em sua corrente sanguínea, o que provocou uma alteração na pulsação e, como era cardíaco, o levou a ter um enfarte fulminante. O laudo, ainda, assinalou que não havia qualquer marca de perfuração no corpo de Firmino que pudesse ter o levado a morte. Em depoimento na Delegacia de Polícia, a esposa confessou o crime. O objetivo era ficar com a herança. A prisão da esposa de Firmino repercutiu na cidade e nos comentários uma uníssona opinião era emitida por todos que lá estiveram no dia de sua morte: – Eu sempre desconfiei dela!
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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