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COLUNISTA
Rodrigo Ramazzini
03/02/2014 - 09h00
Teatro da vida real
 
 

Os ensaios da peça teatral “Os investigados” duraram longos cinco meses. Quem assistiu previamente a encenação a classificou como um das melhores dos últimos tempos. No elenco de oito autores, Juan Ramires se destacava como o faz tudo: era o diretor, roteirista e ator principal, ao personificar a figura do Delegado Wagner, centro das atenções do enredo.

A noite de estreia, ancorada pelo burburinho que a antecedeu, fez com que a casa de espetáculos estivesse lotada naquele sábado. Pontualmente, às 21h, as cortinas foram abertas e Juan, ou melhor, Delegado Wagner, abriu a cena com a afirmação que instigaria a plateia a prestar a atenção em todos os detalhes da peça de teatro:

– Eu vou descobrir quem matou Lázaro Algaçaburro! E preciso da ajuda de vocês!

Tal frase não era dita à toa, pois à medida que o espetáculo avançava, o Delegado Wagner interagia com o público, questionando sobre os possíveis autores do assassinato dentre os atores da peça, o que fazia com que o roteiro fosse dinâmico e mudasse a cada novo suspeito indicado.
A peça transcorria normalmente até os seus 56 minutos de encenação, de um total de 1h e 20min. Foi quando ao centro do palco, Delegado Wagner com a luz toda em cima de si, depois de pensar por alguns segundos, devia chegar a mais uma constatação sobre o possível autor do crime e revelá-la a plateia. Silêncio no teatro. Todos os olhos voltados para o Delegado. Público e demais atores da peça aguardavam ansiosamente o desenrolar do roteiro. Quinze segundos se passaram e nada da revelação. Transcorreram mais trinta segundos e a situação permaneceu inalterada. Todos perceberam que havia algo errado. Então, Juan quebrou o silêncio e confessou humildemente aos presentes:

– Gente! Esqueci o próprio roteiro que escrevi... Desculpem-me!

Rapidamente, a plateia compreendeu a posição do ator e, em pé, o aplaudiu intensamente por vários minutos. Depois de um novo pedido de desculpas, um dos atores da peça “soprou” a fala a Juan, que assim lembrou-se do restante do texto e seguiu magistralmente dando vida a figura do Delegado Wagner até a aclamação do público ao final da peça.
Encerrado o espetáculo, o restante do elenco da peça aguardava ansiosamente a chegada de Juan no camarim, pois acreditavam que a situação enfrentada no palco o levaria a alto nível de stress e um sentimento de inconformidade pelo erro logo na estreia estaria dando as rédeas do seu humor. As frases de consolo já estavam ensaiadas.
Foi então que para a surpresa de todos, Juan surgiu às gargalhadas contando suas impressões sobre o episódio. Silêncio no camarim. Ele questionou:

– Morreu alguém? Por que essas caras de velório? A peça não foi um sucesso?
– Como você está Juan? Nós pensamos que..., rebateu um dos atores.
– Pensaram errado! Replicou Juan.

Silêncio. Então, Juan cunhou a frase que posteriormente foi parar na lápide do seu jazigo:

– Enquanto tivermos a capacidade de rir de nós mesmos, principalmente, depois de situações difíceis, é o sinal divino que nos aceitamos como imperfeitos e estamos evoluindo para compreender a vida!

Todos concordaram com a afirmação depois de uma breve reflexão. E, em meio a gargalhadas, demonstrando total tolerância ao próprio erro e absorvendo ao aprendizado gerado pela situação, ele completou:

– Isso não vai mais acontecer. Prometo ensaiar mais e mais... Mas, será que filmaram? A minha cara de pavor com o esquecimento deve ter ficado uma obra! Há! Há! Há!

E todos caíram no riso também...


Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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