Despertou cedo naquele dia. Assustado. A projeção da cerimônia do próprio sepultamento em um sonho trouxera inquietação. Ficou mexido. Tinha medo da morte. Sentiu-se diferente. Levantou da cama e pôde deslumbrar-se com o nascer do sol. A visão associada ao gosto do café passado na hora tomado em pé na porta de casa trouxe-lhe a sensação de bem-estar. Saiu para trabalhar rindo de si próprio, depois de uma tentativa de calçar o tênis direito no pé esquerdo e vice-versa. O bom dia empolgado do motorista de ônibus cativou-o a fazer o mesmo ao cumprimentar as pessoas que cruzasse ao longo do dia. O abraço afetuoso da filha que caminhava lentamente com a velha mãe em uma rua da cidade despertou-lhe o mesmo sentimento. Ligou para os pais e disse-lhes que os amava. Cruzou por uma charmosa borboleta, que planava suavemente despreocupada com as suas asas em tons avermelhados. Comprou uma flor para decorar o ambiente de trabalho. Lá, o brilho nos olhos de uma colega ao recepcioná-lo instigou-lhe o otimismo e a alegria em estar vivo. Os desafios foram sendo vencidos. Fazia o que gostava. O dia fluiu positivamente. Nem viu as horas passarem. A cerveja gelada na esquina com os amigos realmente espantou o mal, como diz a música do O Rappa, no happy-hour daquela quinta-feira. O som harmonioso da banda do bar de fundo era a trilha sonora perfeita. O cheiro gostoso exalado pelo cabelo molhado da bela morena, que lhe abriu um sorriso ao vê-lo, deixou rastros pela avenida na volta para casa. O coração disparou. Antes de entrar em sua residência, cortejou a imensa e amarelada lua daquela noite, que com a sua imponência o fez pensar sobre quão pequenos somos. “Somos nada mesmo”, refletiu. O banho quente o fez relaxar e sentir-se bem. Jantou, deu uma colherada no pote de doce de leite na geladeira e apreciou por alguns segundos o seu gosto adocicado. Olhou um pouco do seu programa preferido na televisão. Enfim, era hora de deitar-se. Estava exausto. Antes de dormir, resolveu rezar e agradecer a Deus por ter propiciado aquele dia diferente, em que notou tantas coisas boas à sua volta. Fechou os olhos. Foi então que percebeu que não era o dia que fora diferente. Tudo sempre esteve ali. Ele é que estava vendo a vida passar de outra forma...
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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