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COLUNISTA
Rodrigo Ramazzini
07/04/2013 - 10h00
Excursão para a praia
 
 

A proposta surgiu em meio ao churrasco dominical da família: fazer uma excursão para a praia no próximo final de semana. A ideia foi do Carlinhos. Na hora, ninguém levou muito a sério e confirmou presença sem pestanejar, com a esperança que não se confirmasse, como quase tudo que é tratado neste tipo de evento familiar, que sempre é regado a muita cerveja.

Entretanto, a expectativa não se confirmou e na terça-feira seguinte o Carlinhos começou a colocar a proposta em prática, ligando para todo mundo para informar que o deslocamento até a praia estava garantido: tinha alugado o ônibus do Givanildo, o que gerou o sentimento de desespero em muitos. O “busão” do Giva, como era conhecido, tinha a reputação de sempre estragar pelo caminho, além de chamar a atenção por onde passava, pois tinha em suas cores o verde e o amarelo na pintura, fruto da comemoração pela conquista da Copa do Mundo de Futebol de 1994. Originalmente, o coletivo era preto com vermelho quando saiu da montadora em 1976.

Como todo mundo já havia confirmado presença, Carlinhos não quis ouvir qualquer tipo de desculpas sobre possíveis ausências e durante as ligações, de forma sucinta e rápida, marcou o horário e local de saída da excursão:

- Te espero em frente à casa da mãe no domingo. A saída será às 6 horas da manhã. Tchau!

Então, a família, que era grande, não teve opção de escolha. Por volta das 5h10min, os primeiros parentes de Carlinhos começaram a chegar, mesmo que alguns tenham ido contrariados, afinal, o destino era uma praia famosa por receber excursões em massa. Quando o relógio marcou 6 horas em ponto todos da lista, bem como objetos e alimentos para passarem o dia (mais de dez caixas de isopores e comida para passar um mês) estavam dentro do ônibus, até mesmo os vizinhos do Carlinhos, que foram convidados para excursão. A exceção era o primo Rogerinho, que havia ligado minutos antes, informando:

- Já estou chegando!

O “já estou chegando” dele demorou 45 minutos e resultou em uma vaia coletiva da turma quando ele entrou no ônibus lotado: Booo! Uuu! Booo! Uuu! Uuuuuuuuuuu!

Passado o contratempo, o Carlinhos gritou para o Givanildo que, além de proprietário, era motorista do coletivo:

- Mete bala, Giva! Rumo ao litoral!

Mas, para a surpresa de todos, Givanildo redarguiu o comando de Calinhos com uma cobrança:

- Sem pagar, o ônibus não sai do lugar!

A exigência de Giva provocou aquele alvoroço dentro do ônibus. Como um cobrador de coletivo, Carlinhos passou de poltrona em poltrona pegando os R$ 25 por pessoa, como haviam previamente acertado, ainda, no dia do churrasco. Com o dinheiro arrecadado e a excursão devidamente paga, finalmente, às 7h05min o ônibus partiu rumo à praia.

Mas, a alegria da partida durou poucos minutos. Duas quadras depois, Givanildo parou em um posto de combustível para abastecer, com a justificativa:

- Como eu iria abastecer antes, se não tinha dinheiro?

Apesar dos protestos e sem ter uma saída viável, a excursão foi obrigada a esperar cerca de 30 minutos até que o abastecimento fosse realizado. O tempo parado foi usado para que houvesse a troca de lugares dentro do ônibus. O pessoal do pagode e da cerveja foi para o fundo, as crianças embolaram-se pelo meio e o restante ocupou as poltronas na frente do coletivo para jogar conversa fora. Às 7h36mim Givanildo saiu do posto e pisou no acelerador com destino ao litoral.

Com dez minutos de viagem, que deveria durar 1h30mim no total, apareceu um novo problema. Depois que o Nelsinho, primo do Carlinhos, abriu uma caixa de isopor para pegar uma cerveja, “a primeira do dia” ainda brincou, um forte odor saiu de lá e tomou conta do interior do ônibus. O forte cheiro de podre, apesar de abrirem todas as janelas, ficou insuportável e a viagem precisou ser interrompida para que a caixa fosse novamente aberta fora do coletivo para descobrir a causa. Quando abriram o recinto, a esposa do Carlinhos sentenciou para o marido:

- Tu pego aquela carne podre que estava em cima da pia, criatura! Por isso que eu não achei para jogar fora! Meu Deus do céu!

Estava desfeito o mistério do fedor. Passado o contratempo a viagem retomou o rumo com a turma batendo papo, tomando cerveja e pagodeando, apesar do barulho estranho oriundo do motor do coletivo. Tudo transcorria bem, em clima de festa, foi quando o ônibus deu um solavanco, derrubando quem estava no corredor e fazendo com que muitos batessem com a cabeça nas poltronas da frente a que estavam sentados. Nova interrupção da viagem para ver se estavam todos bem. Com a resposta positiva, então, Carlinhos gritou para Givanildo:

- O que foi isso, Giva?

- Passei por cima de alguma coisa. Não quero nem ver o que foi! - respondeu o motorista.

Depois do susto, a viagem transcorreu normalmente por 30 minutos até a nova parada. A turma do xixi implorou pela interrupção, mesmo com o protesto da mulherada. Cerveja é diurética, afirmavam. Givanildo cede aos apelos e para o ônibus. A cena foi cômica para quem assistiu. Dez homens lado a lado urinando à beira da rodovia. Os outros motoristas que passavam pelo local buzinavam ou davam sinal de luz. A reação vinha em coro:

- Ô, corno!

Todos aliviados, hora de retomar a excursão. Eis então que a fama do ônibus do Givanildo entrou em ação: o ônibus não pegou. Prontamente, com um rolo de arame, uma marreta e um alicate na mão, apanhados atrás da sua poltrona de motorista, Giva exclamou de forma profética para o restante da excursão, mesmo antes de verificar o problema:

- Já sei o que é! É coisa rápida!

A nova parada durou 1h20mim. Neste meio tempo, a turma tomou café (muitos comeram a galinha com farofa que tinham levado para o almoço), as mulheres foram em uma loja próxima “olhar a vitrine”, os homens tomaram mais cerveja e as crianças correram ao redor do ônibus, com o Daniel, filho da Mariana, irmão de Carlinhos, quase sendo atropelado por um carro, e o Felipe, afilhado do Carlinhos, ser mordido por um cachorro depois de puxar o rabo dele. Apesar do choro, nada grave.

Arrumado o veículo ao modo Givanildo, a viagem continuou e a tensão proporcionada pela parada logo se dissipou. O clima de festa e algazarra toma conta do ônibus. Pagode, cerveja e dança. Mais 1h30mim de viagem. Quando o Murilo perguntou ao Carlinhos se não estava demorando demais, o Giva gritou lá da frente:

- Senta todo mundo rápido! Barreira da polícia!

Foi aquele corre-corre. Ônibus parado. Todos são ordenados a descer. Havia ocorrido um assalto a banco em uma cidade próxima e a revista policial estava pegando geral em busca dos autores. Com isso, os policiais nem verificaram a documentação e os itens obrigatórios do coletivo (Por sorte, pois tudo estava irregular). Foram mais 38 minutos de parada até a liberação. Quando todos estavam novamente dentro do ônibus e Givanildo deu a partida no motor, um policial perguntou da porta do coletivo:

- Para onde vocês irão mesmo?

- Praia! - respondeu Giva.

- Então, vocês estão indo para o lado errado - replicou o policial.

Vaias e um festival de “eu não acredito” ecoou de dentro do ônibus. Sem saber corretamente o trajeto, em um cruzamento, Giva optou pelo caminho errado. Precisavam retornar vários quilômetros, o que levaria cerca de 50 minutos. Não tinham escolha. Em meio a protestos e ao arremesso de alguns objetos, Giva refez o percurso e entrou na trajetória correta até o litoral. Finalmente, depois de 1h10mim chegaram à praia. Antes de descerem do ônibus, Carlinhos discursou em pé perto da porta:

- Atenção, pessoal! Pessoal... Um minutinho de atenção... Foi difícil a nossa chegada até aqui, passamos por muitas coisas, mas eu garanto a vocês que nada vai nos atrapalhar daqui para frente! Vamos aproveitar a praia!

Foi ovacionado pelo restante da excursão. Então, começou aquela “muvuca” de conseguir um lugar na areia, tirar isopor do ônibus, abrir cadeiras e guarda-sóis. Enfim, quando a turma da excursão conseguiu posicionar-se e em condições de desfrutar das benesses litorâneas, uma das crianças da excursão gritou:

- Mãe! Senti um pingo. Acho que vai chover!

O menino fechou a boca e São Pedro abriu a torneira do céu. Choveu por dois dias seguidos...


Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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