O sentimento de deslumbre surgiu em segundos. Foi ao passo de parar em frente ao espelho e contemplar todas as linhas do seu rosto e parte do corpo. “Perfeito”, pensa. Sem vestir a camisa, em suaves movimentos que mostravam o contorcer ordenado dos músculos dos braços e tronco, admirava-se com a intensidade de um Narciso. Um leve sorriso no rosto brotou ao lembrar-se da noite anterior. Aninha. Finalmente, conquistara Aninha, sua musa e colega de profissão. Mas, como foi difícil. Há meses insistia e utilizava todas as estratégias possíveis. Flores, poemas e declarações públicas de paixão. Nada funcionava. Foi justamente quando mostrou o lado humano que se escondia atrás de uma casca forjada para se defender dos ataques da vida, em uma conversa em noite enluarada e sentado à beira de um rio, que floresceu o amor. Recordando isso em frente ao espelho, vestiu a camisa. Seu corpo não interessou a Aninha, mas a sua alma que a seduziu ao revelá-la por completo. Em um instante filosófico, refletiu “Será que somos realmente o que pensamos ser?”. Olhou-se de cima a baixo. “Será que o mundo nos vê como realmente somos?”, pensou. E o momento socrático terminou com a indagação “Mostramos ao mundo quem realmente somos?”. Via-se como um homem de dotes corporais e inteligente por natureza. Poeta da vida nas horas vagas, bem humorado e com instinto para os negócios. No entanto, as próprias percepções não importaram para Aninha, que preferiu mergulhar e desvendar seu interior. Saiu para trabalhar com as questões pulsando em seus pensamentos na busca de respostas. Foi interrompido por um cumprimento: - Bom dia, João das verduras! Com um aceno leve retribuiu a saudação. “O mundo não nos vê como realmente somos”, pensou e sorriu. Em meio a fraquezas e virtudes, talvez, seja melhor deixar que apenas poucas pessoas descubram o brilho de uma alma. E continuou a caminhada até a feira livre de verduras e frutas onde encontraria Aninha...
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
|