Numa lanchonete. Uma multidão entra e sai, come e bebe, cumprimenta-se e fala no lugar. Senta-se a uma mesa. Beberica um café. Os pensamentos perambulam soltos na velocidade da agitação dos presentes. Os olhos fazem movimentos contínuos para todos os lados acompanhando cabelos, rostos e pernas. “Quantas histórias de vidas em só espaço”, pensa. Em meio a tanta gente, focaliza o olhar em uma mesa. Uma jovem loira entre 21 e 24 anos que toma um café. Está sozinha. Mônica. Deve se chamar, Mônica. Assim, deduz. Tem um ar triste. Depressiva, talvez. Passa a imaginar os motivos. Frustração profissional? Pode ser. Pela roupa, parece ser recepcionista. Ninguém gosta de ser recepcionista. Mas, ao analisar mais profundamente, os olhos deixam transparecer que é algo mais profundo do que acordar às 6 da manhã, pegar três ônibus e aturar o dia inteiro um chefe incompetente no trabalho. “É mais que isso”, reflete. Falta de dinheiro? Pode ser. Ser despejada do apartamento por falta de pagamento. Duro golpe. As incertezas do futuro geram apreensão. O ser humano não se habitua às contínuas mudanças da vida. Prefere a rotina, apesar de negá-la. Não. Aqueles olhos refletem as profundezas da alma. Só uma coisa pode tocar tão fundo. O amor. Claro, o amor. Desilusão? Rompimento? Paixão não correspondida? Fica a dúvida. Mas, obviamente, é por amor que aquela mulher sofre. “Como não percebi antes?”, pensa. Agora, observa um jovem. Usa óculos e cabelos bem cortados. Toma uma Coca-Cola, em uma mesa bem à frente. Está sozinho. A face séria deixa transparecer que é um sujeito sério. Estudioso. Sim, estudioso e ligado a tecnologias. Parece ser o cara que toda mulher quer na vida. É para casar, como dizem. Comportado, engraçado e amoroso, que não deixa desabrochar esse lado por causa da timidez. Diz para os amigos que curte Pearl Jam, mas no fundo, escondido no recôndito do quarto, escuta Zeca Pagodinho. Um casal conversa animadamente na mesa ao lado. São amigos, aparentemente. Atrás daquelas histórias de vida há um segredo. Ele esconde uma paixão secreta por ela. Até parece coisa de novela. Ela conta seus dramas, aventuras e frustrações amorosas. Isso só faz aumentar sua admiração. Os olhos refletem o encantamento dele por aquele ser humano. Só ela não percebe. Ingenuidade ou artimanha? Noutra mesa uma morena fala ao telefone. Linda. Olhos verdes que deixam transparecer traços da personalidade. Uma personalidade forte. O mundo é dos fortes. Ou isso não passa de uma casca para esconder as fragilidades e medos? Pensa: “Aposto que deitada na cama chora feito criança. Ninguém é só razão ou emoção. É a mescla. Humano. Mas, precisa-se conservar a imagem. E a maquiagem”. Olha para a mesa à sua esquerda. Parece uma boa história de vida. Uma mulher de trinta e poucos anos lambe a colher do cafezinho e lê um livro. A imagem de uma pessoa lendo reflete automaticamente que ela é culta. Ou está buscando cultura. O que rivaliza com o ato de molecamente lamber a colher. “Mundo cheio de convenções”, pensa. Cada um é livre para fazer o que quiser. Desde que não pese na consciência. Nem que “encha o saco” dos outros. Estereótipos construídos pela televisão. Todo mundo tem dois lados. Ou mais. São 13 horas e 55 minutos. O relógio diz que é hora de voltar ao trabalho. Tentar desvendar o mundo, imaginar as histórias alheias, é um passatempo divertido. Reflexivo também. “Procurar esmiuçar os sentimentos dos outros faz entender melhor a vida”, pensa. Hora de partir. Amanhã tem mais. Levanta-se e dirige-se até o caixa para pagar o café. Um pensamento surge como um raio. Ou melhor, uma constatação. Não estava imaginando, nem desvendando as histórias alheias. Estava apenas projetando a própria história e sentimentos em outros personagens.
Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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