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COLUNISTA
Rodrigo Ramazzini
07/10/2011 - 09h28
Como você quer morrer?
 
 

Turma reunida em uma lancheira para o “sagrado” lanchinho da tarde. Carlos, Henrique, Miltinho e Casemiro tomavam um café e comiam pastéis. Na televisão, o noticiário informava a morte inusitada de um homem que caiu da árvore em frente a própria casa, depois de tentar resgatar uma bola de futebol que ficou presa entre os galhos. Pela rua, o carro da agência funerária passava deixando um clima estranho na mesa. Foi então que, depois de breve reflexão, o Miltinho indagou ao grupo:

- Se vocês pudessem escolher, como gostariam de morrer?

Silêncio. Todos se olharam e bebericaram os cafés nas decoradas xícaras. Após alguns segundos, Henrique é o primeiro a responder:

- Eu gostaria de morrer dormindo!

A turma concordou que seria realmente uma boa morrer dormindo. No entanto, Casemiro expôs a sua visão sobre o assunto:

- Pra mim, o jeito não importa. Só tenho medo de sofrer...

Carlos, um indeciso por natureza, mais uma vez ficou em cima do muro:

- Eu, sinceramente, não sei! Deus que decida por mim!

Ao ouvirem a resposta do Carlos, o trio voltou-se para o Miltinho, que havia formulado a questão, mas não a tinha respondido.

- E tu? Questionou Henrique.

Miltinho olhou para os amigos, suspirou fundo e fez a revelação:

 - Eu queria morrer deitado em uma cama de motel, depois de ter transado loucamente com a Camila, do setor de RH!

A declaração do Miltinho pegou o trio desprevenido. Não sabiam se a surpresa maior era a forma que o amigo desejava morrer ou pelo fato dele ter essa atração platônica pela Camila, até então, desconhecida.
Camila era uma morena fenomenal de coxas grossas que trabalhava na empresa. Nunca tinha “dado bola” para ninguém lá dentro. Boatos sobre um suposto romance com um diretor chegaram a correr pelos corredores, em virtude uma promoção na carreira, mas nada foi devidamente comprovado.

Passada a sensação de surpresa, Henrique conseguiu tecer um comentário:

- A Camila é uma deusa, mesmo! Tens razão! Depois de transar com ela, o cara não precisa mais viver...

Um “é verdade” soou como um coral na mesa, em meio a gargalhadas. E, assim, foi encerrado o lanche do dia...

Por coincidência, no dia seguinte, um “zunzunzum” sobre um suposto caso entre Camila e Miltinho começou a circular pelos setores da empresa. Os amigos levantaram a suspeita de que aquela conversa na lancheira não havia passado de uma “manobra” para consultar a turma sobre o que eles achavam da Camila. Um golpe para alimentar o ego, pensaram. Miltinho, obviamente, negava tudo. Apenas sorria, levantando, ainda mais, dúvidas.
Depois do expediente, na noite daquele mesmo dia, Miltinho em um último ato antes de dormir, lembrou-se dos comentários sobre o hipotético romance entre ele e Camila. Quem me dera! Pensou, e adormeceu com um sorriso no rosto.
Talvez, motivado pelos últimos pensamentos, o inconsciente reproduziu sua vontade por meio de um sonho, narrando uma estória. Nela, Miltinho chegava ao trabalho, vestindo uma camisa preta e, ao abrir a caixa de e-mails, lia um recado deixado por Camila:

“Hoje, às 21h, na suíte B, do motel Cupido. Te espero lá! Beijos, Camila!”

Depois da leitura do recado, no sonho, Miltinho e Camila apareciam transando loucamente, de uma maneira muito melhor que ele pudera um dia imaginar, por muitas horas. Logo seguida, Miltinho visualizava o próprio velório.
Assustado, acordou suando frio. O imaginado parecia mais real do que a realidade. Suspirou fundo. Aos poucos, foi se acalmando e voltou a dormir.
No outro dia, ao chegar ao trabalho, como rotineiramente fazia de segunda a sexta-feira, largou o casaco na cadeira, ligou o computador e foi buscar um café. No retorno, uma mensagem de Camila aguardava a leitura.

“É verdade que estás interessado em mim? Ligue-me às 12h30min. Não vais te arrepender! Beijos, Camila!”

Com o recado, o número do telefone. Miltinho não acreditou no que acabara de ler. Releu para ter certeza. Conferiu a hora. Pensou em contar para alguém. Hesitou porque poderia ser uma brincadeira dos amigos. Esperou o tempo passar ansiosamente...
Quando o relógio marcou o horário estipulado, ligou. O telefone chamou apenas uma vez. Camila atendeu e sem pestanejar, lascou:

“Hoje, às 21h, na suíte B, do motel Cupido. Te espero lá!”

Desligou. Não acredito. É verdade! Pensou Miltinho, ainda, com o telefone em mãos. Por muito tempo secretamente desejou aquilo e, agora, estava virando realidade. Foi então que, em meio ao entusiasmo, surgiu uma constatação: a história com Camila estava percorrendo caminhos semelhantes aos descritos no sonho e nele ele não tinha um final feliz. Perguntou-se atônito: teria tido ele uma visão do futuro? Um ato de vidência? Um aviso dos deuses sobre o que estava por vir? Ou tudo não passava de mera coincidência? Para ajudar, vestia preto naquele dia.

Passou o restante da tarde a se indagar: deveria ir ao motel e correr o risco de acontecer os fatos revelados no sonho? Ou perdia, talvez, a única oportunidade de estar com a Camila, sua musa inspiradora?

Ir ou não ir? Eis a questão.

No outro dia...

- O Miltinho vai fazer falta! Exclamou o amigo Carlos, ao lado do caixão.
- Vai sim... O alento é que pelo menos morreu da maneira que queria. Lembram da conversa da lancheria? Questionou Casemiro.

Silêncio. Todos se olharam pensativos. Então, com um ar irônico, Henrique observou:

- Bem que eu disse aquele dia que depois de transar com a Camila o cara não precisava viver mais... Levou ao pé da letra. E pelo jeito a coisa foi boa... Valeu à pena! Mesmo morto dá para notar o leve sorrisinho no rosto do Miltinho!

E, Casemiro completou, arrancando gargalhadas dos amigos, em pleno velório:

- Definitivamente: mulher mata!


Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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