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COLUNISTA
Celamar Maione
04/01/2010 - 17h01
Felicidade aparente
 
 

Final de tarde de sábado. Chovia muito. Rochinha esfregava as mãos e passava a língua pelos lábios, demonstrando nervosismo. Pegou o celular mais uma vez e ligou. Nada. Guardou o celular no bolso da camisa. Chamou o garçom, cochicou alguma coisa, pegou o copo vazio e começou a brincar com ele. Assustou-se quando Sandrinha sentou-se na cadeira em frente:
- Desculpe o atraso. A culpa é da chuva. Aquele rio lá perto de casa encheu.
- Não entendi porque você não quis que eu te pegasse.
- Sei me virar sozinha. Não tô aqui?
- Bobagem, Sandrinha. Somos noivos, vamos casar daqui a duas semanas.
- Íamos.
- Como?
- Não quero mais me casar com você.

Rochinha abriu o primeiro botão da camisa, olhou para a rua, deu um sorriso sem graça e perguntou:
- Por quê?
- Nunca te amei e nem sinto desejo quando estamos na cama.

Rochinha deu uma risada e balançou a cabeça:
- E daí?
- E daí? Você acha que eu vou me casar sem amor? Sem desejo?
- E precisa casar por amor? Você vai ser minha esposa e eu vou ser seu marido. Só.
- Só? Casada perco a oportunidade de conhecer alguém por quem eu possa me apaixonar de verdade.

Rochinha deu uma sonora gargalhada, chamou o garçom, pediu mais um chope e gentilmente dirigiu-se a Sandrinha:
- Chope também?
- Não. Mate.

O garçom saiu levando os pedidos e Sandrinha enfureceu-se com Rochinha:
- Olha bem pra mim. Tá olhando?
- Sim, e daí?
- Tenho cara de palhaça?
- Não.
- Então não entendi. Digo que não quero casar, que não te amo mais e você ri?
- Você quer que eu chore? Então eu vou chorar...

Começou a fingir que estava chorando passando a mão nos olhos e abrindo a boca, chamando a atenção dos clientes próximos. Envergonhada, Sandrinha ameaçou se levantar:
- Se você não parar com a palhaçada agora, deixo você sozinho.
- Tá bom! Qual é o problema então?
- O problema é que eu não quero mais me casar e estou terminando tudo. Satisfeito?

Rochinha ficou sério. Pegou o chope da bandeja, tomou de um gole só, pediu outro e colocou o mate no copo de Sandrinha.
- Você quer falar sério?
- Estou falando sério.
- Você tem outro?
- Não. Mas eu gosto muito de sexo e a gente não tem sintonia na cama. Não existe amor.
- Deixo a desejar? É isso?
- Sabe há quanto tempo a gente não transa, Rochinha? Dois meses. Isso antes do casamento, imagina quando a gente se casar?

Rochinha coçou o queixo, olhou dentro dos olhos de Sandrinha, pegou as mãos da mulher e ficou brincando com elas durante um tempo. Cabeça baixa, resmungou:
- Então o problema é sexo? Você quer mais sexo? É isso?
- Também. Mas eu não sinto amor por você. Amor pra casar. Achei que a gente podia se entender na cama e...

O noivo interrompeu Sandrinha com um pigarro. Franziu os olhos, tossiu, largou as mãos de Sandrinha e esticou o corpo:
- Você é muito ingênua. Presta atenção. Tenho uma proposta pra te fazer.
- Ingênua? Que papo é esse agora? – respondeu desconfiada.

Ele falou vagarosamente, como se explicasse matemática para uma criança recém-alfabetizada:
- Você não me ama? Certo? Quer saber? Também não te amo.
- Não?
- Nossa relação é teatro. Eu não te amo e você não me ama. Podemos fazer um acordo.
- Acordo? Tá delirando?
- Casamos sem amor.
- Já disse que sem amor não quero.
- Calma, deixa eu explicar. Como as mulheres são ansiosas.
- Não sou ansiosa, sou curiosa. Continua o discurso.
- Casamos, e eu te dou uma vida de princesa. Tudo o que você quiser. Carro. Jóias. Dinheiro. Você não quer?
- Rochinha, chega de rodeios e diz logo. Anda. O que é que está acontecendo? Você não tem tanto dinheiro assim pra me dar mordomia.
- Vou explicar. Casada você pode continuar saindo com os homens que quiser. E melhor: as casadas atraem mais homens porque não comprometem.
- Rochinha, diz logo. Seja direto. O que está acontecendo? Posso saber de onde você vai tirar dinheiro para me dar uma vida de princesa?
- Amaury, meu chefe. Eu e o Amaury somos amantes.
- Amantes? Você é gay?
- Nós nos amamos. Eu e ele. Aconteceu. Eu ia casar com você apenas para dar uma satisfação aos meus pais. Estão idosos, sabe como é. Vovó também quer me ver casado.
- Hipócrita! Escroto!
- Olha o preconceito... cada um faz o que deseja para ser feliz!
- Sua família sabe?
- Tá difícil de você entender. Claro que não! E eu não quero que ninguém saiba. Confio em você.

Sandrinha sentiu uma dor no peito. As pernas começaram a tremer. “Bem que as amigas diziam que Rochinha era bi” – pensou. Teve vontade de puxar a toalha da mesa e gritar. Não gostava de ser enganada.

Saiu da inércia com Rochinha sacudindo-lhe os braços com força:
- Ei, acorda. Só abri o jogo porque você disse que não me amava.
- Você me enganou durante todo esse tempo.
- Nada disso. Você também não me ama. Assim fica mais fácil para haver casamento. Casamos, moramos na mesma casa e eu e Amaury continuamos como amantes. Um segredo nosso. Ninguém engana ninguém.
- Preciso pensar. Você me pegou de surpresa.
Rochinha insistiu com ar envolvente:
- Seremos felizes. Eu com o homem que amo e você com quantos homens quiser.

Sandrinha pegou a bolsa, se levantou, jogou o resto de mate no rosto de Rochinha e saiu arrastando o tamanco:
- Seja feliz, seu indecente!

Rochinha não moveu um músculo. Pagou a conta e saiu sem olhar para os lados.
De madrugada o celular tocou. Era Sandrinha:
- Rochinha, mudei de ideia. Precisamos conversar.

Almoçaram juntos no domingo. Sandrinha deu as cartas:
- Pensei melhor e aceito a proposta. Não agüento mais morar com a minha mãe e nem ganhar salário de fome. Você vai fazer tudo o que prometeu?
- Tudinho. Com a aprovação do Amaury.

Envergonhada, ela puxou o noivo e cochichou no ouvido dele. Rochinha respondeu com sorriso de satisfação:
- Combinado!

Casaram-se. Um casamento de princesa. Igreja. Bolo. Convidados. Pose para as fotos. Abraços efusivos. Risadinhas e até comentários invejosos das amigas:
- Até que o Rochinha não é mau partido. Pelo menos agora ela tem marido.
- Prefiro o irmão do Rochinha.
- O irmão? Eu ficaria com o Rochinha mesmo. E pensar que eu o dispensei e ele começou a namorar a Sandrinha. Dá um aperto no peito.

Despediram-se dos convidados e seguiram em direção à lua-de-mel que seria em Angra dos Reis. Rochinha dirigiu dois quarteirões e parou o carro. Um homem veio na direção do casal e abriu a porta do carona. Sandrinha saiu e foi para a parte de trás do carro. Amaury sentou-se ao lado de Rochinha.

Vinte minutos depois, o carro entrou num motel na Avenida Brasil. Enquanto Sandrinha tomava banho, Rochinha e o amante transavam na cama redonda e aconchegante do quarto iluminado com uma luz vermelha. Banho tomado, Sandrinha vestiu um roupão, colocou champanhe no copo, sentou-se no sofá e observou atentamente o marido com Amaury. Em seguida, ligou para a portaria. Cinco minutos depois a campainha tocou. Um homem alto, musculoso, de dentes brancos e olhos verdes, sorriu para ela.

Sandrinha abraçou o desconhecido, serviu-lhe uma taça de champanhe e convidou-o para entrar na suíte ao lado. Depois de um longo beijo, Sandrinha teve certeza de que a “ felicidade era uma questão de oportunidade.”

Quando ela, o marido e Amaury saíram do motel e seguiram viagem até Angra dos Reis, as últimas estrelas se escondiam. O dia prometia ser calorento. Sandrinha queria tomar um banho de mar.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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