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COLUNISTA
Celamar Maione
04/05/2010 - 13h12
Quem matou dona Shirley?
 
 

Quando saiu do metrô e olhou na direção da calçada, o coração de Souza acelerou. Uma multidão se formava ao redor do prédio em que ficava seu escritório de advocacia. O carro do corpo de bombeiros e uma patrulhinha também chamaram sua atenção.
- O que aconteceu? – pensou.

Se aproximou do prédio desconfiadíssimo e quando tentava colocar o pé no saguão do edifício, a mão forte de um bombeiro barrou-lhe a passagem:
- Não tá vendo que está interditado? É proibido ultrapassar a faixa.
- Trabalho no prédio. Tenho uma reunião daqui a meia hora. É urgente.
- Não pode subir.
- O que aconteceu?

O bombeiro não respondeu e foi atender um outro colega de profissão. Uma senhora que ouviu a conversa se intrometeu:
- Não tá vendo aquele corpo ali na calçada debaixo do saco preto, moço? Foi uma mulher que se jogou do oitavo andar.

Um outro homem que escutava a conversa balançou a cabeça discordando:
- Se jogou, não. Foi empurrada. Crime. Passional.
Souza colocou a mão na cabeça e correu querendo ver o corpo. O bombeiro mais uma vez impediu a passagem:
- O senhor é teimoso. Já disse, não pode passar.

Souza colocou a mão no bolso do paletó e pegou a carteira da OAB.
- Não tá vendo? Trabalho no prédio. Sou advogado.
- Então o senhor deve conhecer a moça assassinada.
- Assassinada? O senhor pode me deixar ver o corpo?

O bombeiro se aproximou do corpo e levantou o saco preto. Souza empalideceu:
- Minha secretária! Essa moça é minha secretária! Dona Shirley!
- Foi assassinada. Empurrada do oitavo andar.
- Assassinada? Como? Ela estava no meu escritório sozinha quando liguei.
- Não estava, não. Inclusive temos uma suspeita na sala da administração do prédio. Estamos esperando a multidão dispersar para levar a suspeita até a delegacia para averiguação.

Souza pegou o celular e telefonou para conhecidos. Ninguém atendia. Ligou para o celular da esposa Waldete. Caixa-postal. Um pressentimento estranho passou-lhe pela cabeça. Chamou o bombeiro novamente. Precisava saber quem era a pessoa presa na sala da administração. O bombeiro voltou com um policial:
- Esse senhor. Conhece a moça assassinada. Trabalhava no escritório dele.

O policial fez uma série de perguntas para Souza. Ele se irritou:
- Peraí. Sou doutor. Advogado. Não pode falar assim comigo.
- Quem não pode falar comigo assim é o senhor – disse o policial aumentando o tom de voz.

A multidão que a tudo ouvia ficou eufórica. Alguns mais exaltados gritaram:
- Assassino! Assassino!

Souza se irritou com o policial:
- Veja o que o senhor foi me arrumar!

Um outro homem forte de barba por fazer e voz rouca, gritou mais alto:
- Lincha! Lincha!

A multidão de curiosos e desocupados seguiu o coro. O policial percebeu que a situação ficou insustentável e levou Souza para a sala da administração. Quando Souza entrou na sala viu a filha encostada numa parede, abatida, com os cabelos em desalinho e a roupa rasgada:
- Magda, minha filha? O que você está fazendo aqui?

Magda correu para os braços do pai num choro convulsivo:
- Eu empurrei dona Shirley...
- Mas porque você fez isso minha filha? Tá doida?
- Mamãe me disse que o senhor e a dona Shirley tinham um caso. Por isso não me dava mais atenção e chegava tarde em casa.

Souza ficou irado. Os lábios tremiam de nervoso. Exaltado, arrancou a gravata e andando de um lado para o outro gritou:
- Aquela vaca da sua mãe! Aquela piranha! Me colocou contra você! Que merda minha filha! Que merda! Você matou minha secretária. Ela não era minha amante. Sou inocente. Meu xodó sempre foi você! Sua mãe tem ciúme de nós dois. Ela armou tudo! Tudinho! Disse que um dia se vingaria de mim! VACA!! Ela é uma VACA!

Magda chorou mais forte ainda. O policial que estava do lado de fora abriu a porta e deu uma ordem:
- Falem mais baixo!
- Já sei filha. Já sei o que vou fazer. Assumirei a autoria do crime. Você se livra dessa. Não posso deixar você ir presa. Injustiça. Mas antes eu tenho que achar a vaca da sua mãe.

Ligou para o celular da Waldete, mais uma vez, e tornou a dar caixa-postal. A filha argumentou com Souza:
- Não adianta mentir, pai! O porteiro me viu subindo com a dona Shirley. Nós duas estávamos discutindo. Eu a cerquei na portaria.
- Que merda você fez, minha filha. Mas sou advogado. Vou dar um jeito nisso. Vou livrar você! Sou advogado, entende?

Assim que ele acabou de falar, o policial entrou:
- Sinto muito. Acabou o papo. Vou levar sua filha para depor.
- Sou advogado dela!
- Vou levar. Flagrante. Não tem como escapar.
- Não leva ela! Eu empurrei dona Shirley da janela quando entrei no escritório e vi que ia golpear minha filha com um cinzeiro.

O policial gritou então para o Negão perto da porta:
- Antunes, pega outra algema! Vamos levar os dois. Isso está parecendo uma trama. Na delegacia eles decidem quem matou quem. Algema!

Souza gritava que era advogado e ia prender todo mundo. Foi algemado com a filha e levado para a patrulhinha. Os pedestres que se aglomeravam para acompanhar o final da história, ávidos por uma novidade, gritavam em coro:
- Prende! Prende! Prende! Assassino! Assassino!

Pai e filha fizeram o trajeto abraçados:
- Fica calma, minha filha. Vou salvar você. Não chora. Você ainda é o xodó do papai!

Enquanto pai e filha eram levados para a delegacia, em Angra dos Reis, num iate em alto mar, Waldete servia mais champanhe para o amante, moreno, alto, musculoso e 25 anos mais jovem.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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