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COLUNISTA
Celamar Maione
13/04/2010 - 15h28
O enxoval
 
 

Diva conversava com a irmã na cozinha depois do lanche da tarde, quando a filha Marianinha chegou da rua trazendo um pacote cuidadosamente embrulhado. Marianinha abriu o pacote na frente das duas e perguntou:
- Que tal a camisola? Não é um luxo?

Diva e a irmã se entreolharam com ar de desânimo. Diva foi quem falou primeiro:
- Minha filha... pára de gastar dinheiro com bobagem. Será que você ainda não percebeu que o Beto não volta mais?

Marianinha fez beicinho, colocou a camisola dentro do embrulho e foi para o quarto. Diva era viúva. Morava com a filha e a irmã solteirona, numa ampla casa no Bairro de Santa Tereza. Seu maior desgosto era a filha Marianinha. Criou a filha sozinha desde que ela completara cinco anos e o marido morreu num acidente de carro.

Marianinha foi criada cheia de mimos. Aos 20 anos ficou noiva. Era apaixonada pelo noivo. Dois anos de namoro e marcaram a data do casamento. Faltando dois dias para o casório, Beto desapareceu sem deixar rastro. Marianinha ficou de cama durante três meses. Perdeu uns 10 quilos. Não comia quase nada. Um dia a mãe varria o quintal, enquanto a tia passava aspirador de pó na casa. Marianinha se levantou da cama e com os olhos arregalados decretou:
- O Beto vai voltar. Sonhei com ele. No sonho ele me dizia para esperar por ele.

A tia foi até o quintal, onde estava a irmã e assustada falou para Diva:
- Tua filha enlouqueceu.

Desde este episódio, já havia se passado três anos, Marianinha aguardava a volta do noivo, como quem aguarda o resultado de um exame. Preparava o enxoval meticulosamente. Um quarto na casa de Santa Tereza era usado só para guardar o enxoval de Marianinha. Tinha de tudo. De camisola a pano de prato. Cada vez que Marianinha saía de casa, passava em alguma loja do Saara, no Centro da Cidade, e comprava alguma coisinha para o seu enxoval.

As amigas da jovem comentavam que ela havia enlouquecido:
- Depois que o noivo caiu fora, Marianinha pirou. Ela agora só gasta dinheiro com coisas para o enxoval.
- Ela está tantã. Isso é obsessão das boas. Já falei para a mãe dela levar Marianinha a um Centro Espírita, mas não adianta, a mãe não acredita nestas coisas.

Os vizinhos também davam opinião:
- Isso é caso de psiquiatria. Do jeito que a vida está difícil, essa aí gastando dinheiro com pano de prato, calcinha, camisola, roupa de cama... coisa para um enxoval que ela nunca vai usar, com um noivo que ela nem tem.

A única pessoa que tinha paciência com os delírios de Marianinha e ficava horas a escutá-la, era o vizinho Wallace. Os dois se conheciam desde criança. Wallace nutria uma paixão secreta por Marianinha e achava a jovem a mulher mais romântica do mundo.

Os dois costumavam fazer longas caminhadas pelo Aterro do Flamengo. Nestas horas Marianinha aproveitava para desabafar:
- Wallace... você acha mesmo que eu sou louca só porque espero pela volta do Beto?
- Que nada Marianinha. Acho você uma mulher romântica que acredita no amor verdadeiro.
- Você acha que eu devia desistir de esperar? Será que ele volta?
- Não sei... se eu pudesse adivinhar o futuro...
- Eu fui à Igreja de São Judas Tadeu e fiz uma promessa. Para você eu posso contar...

Marianinha ficou na dúvida. Contava ou não contava a promessa? Parou de caminhar... começou a olhar as pessoas que passeavam também no Aterro. As crianças corriam animadamente. Não tinham problemas. Não sofriam decepções amorosas. De repente sentiu saudades da infância, era quando brincava com Wallace de pique esconde pelas ruas estreitas de Santa Tereza. Deu um longo suspiro.
- E aí, vai ou não vai me contar a promessa?
- Não sei... dizem que se a gente contar a promessa, aquilo que você quer, não acontece.

Wallace se calou. No fundo ele tinha esperanças de que um dia Marianinha esquecesse de vez o tal do Beto e olhasse para ele. Mas ela parecia obstinada. Tinha uma certeza quase neurótica de que o ex-noivo ainda iria voltar. A mesma certeza neurótica que ele tinha de que um dia Marianinha ainda olharia para ele com olhos de mulher apaixonada. Voltaram para casa a pé. Aquelas caminhadas com o amigo, faziam bem a ela.

Depois do almoço, Marianinha se trancou no quarto e ficou escutando música. Na hora do jantar a mãe foi procurar pela filha no quarto e não a encontrou. Foi falar com a irmã que assistia televisão:
- Cadê Marianinha?
- Tá no quarto do enxoval.

A mãe abriu a porta e lá estava a filha alisando as camisolas, as toalhas de mesa, os lençóis... Tudo embrulhado com muito cuidado, como vieram da loja. Diva sentiu pena da filha. Resolveu que procuraria um psiquiatra naquela semana. Só que, justamente na semana que a mãe procuraria um psiquiatra, aconteceu o que todos achavam impossível. As três assistiam novela na sala, quando a campainha tocou. Marianinha se levantou de um pulo só e falou:
- É o Beto.

Diva e a irmã deram um suspiro profundo. Marianinha abriu a porta e deu de cara com o ex-noivo. Beto estava pálido, magro e com um sorriso amarelo:
- Marianinha, você me perdoa? Eu ainda te amo. Não consegui te esquecer durante estes anos.

Diva e a irmã solteirona foram para a porta. Olhavam-se espantadas, pareciam estar diante de um fantasma. Beto, ofegante e emocionado, foi logo tratando de se explicar:
- Eu queria contar o que me aconteceu, porque eu fui embora; eu descobri que tinha câncer. Não tive coragem de contar para você. A gente ia se casar. Fui me tratar. Mas agora estou curado e queria, e queria...

Marianinha colocou a mão na boca do noivo:
- Não precisa dizer mais nada. Eu acredito em você. Vem que eu quero te mostrar uma coisa.

Puxou o noivo e foi até o quarto do enxoval:
- Veja como nosso enxoval cresceu. Eu tinha certeza de que você voltaria. Cada calcinha que eu comprava, cada toalha que eu pagava, eu lembrava que valia a pena. Nós temos agora um enxoval para a vida toda.

Com a volta de Beto, a casa ficou mais alegre. Os dois marcaram a data do casamento. Tinha que ser na Igreja de São Judas Tadeu. A vizinhança ficou emocionada com a história do casal.

Só que, estranhamente, faltando uma semana para o casamento, todos estavam felizes. Menos Marianinha. Ela sentia uma angústia, uma saudade sabe-se lá de quê. Parecia que a vida tinha perdido o sentido. Mesmo assim, resolveu levar os preparativos adiante. No dia do casamento Marianinha pediu à mãe que fosse com a tia para a Igreja. Preferia ficar em casa sozinha e mais tarde iria com o motorista. Ficou sentada no sofá vestida de noiva. Enquanto noivo, família e convidados esperavam por ela, Marianinha estava em casa pensando. De repente saiu e falou para o motorista:
- Me leva para o Aterro do Flamengo.
- Mas dona, a senhora não tem que ir para a Igreja?
- Faz o que eu estou mandando.

Chegou ao Aterro, dispensou o motorista. Ficou vagando em meio à grama e os coqueiros. O motorista correu para a Igreja e avisou a família. Wallace foi o primeiro a chegar no Aterro. Encontrou Marianinha sentada no gramado. Ele sentou-se ao lado dela e falou:
- Chegou o grande dia. Não vai se casar?
- Não. Descobri que não amo o Beto. O que me moveu estes anos todos foi a vontade de montar o enxoval. Mas na verdade, eu não pensei que meu sonho fosse se realizar.

Marianinha foi internada num hospital psiquiátrico. A mãe, de vez em quando, ia visitar a filha. Wallace era o único que passava por lá todos os dias, depois do trabalho. Encontrava Marianinha sempre bordando algum pano:
- Olha só o que eu fiz para o nosso enxoval.

Wallace sorria e balançava a cabeça concordando com Marianinha. Despediam-se com um beijinho estalado. O vizinho ia embora feliz. Decididamente Marianinha era a louca mais romântica do mundo!


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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