Anelice e Miro se conheceram numa academia de ginástica. A amizade começou entre uma série e outra de musculação. Para Anelice foi mais do que amizade: foi paixão à primeira vista. Depois de um dia cansativo de trabalho, Anelice ia para a academia. Sempre que chegava encontrava Miro saindo. Os dois se olhavam, mas nada diziam. Foi numa sexta-feira em que Anelice estava chateada, com problemas no trabalho, que a amizade começou. Miro chegou no mesmo horário que Anelice. Se olharam e sorriram. O coração de Anelice bateu mais forte. Trocaram de roupa e começaram a série de musculação. Anelice ia fazer uma série no mesmo aparelho que estava Miro. Gentilmente, ele deu a vez a ela: - Faz primeiro. Eu faço outro, depois eu volto. Ela comentou sorrindo: - Tá cheio hoje, né? Saíram juntos da academia. Aproveitaram a sexta-feira e tomaram um chope. Despediram-se com um beijo no rosto e um sorriso largo. Final de semana Anelice não tirou Miro da cabeça. Ligou para Dorinha, sua melhor amiga e contou a novidade: - Dô... o cara é um gato. Gentil... simpático, tão diferente dos homens que a gente conhece... Dorinha deu uma força, mas com um pé no chão: - Que bom que finalmente se falaram. Vai com calma, tá? Por enquanto é só papo. Na verdade Dorinha se preocupava com a amiga. Sabia que ela era obsessiva. Quando cismava com um homem, falava nele o dia inteiro, criando milhões de fantasias na cabeça. Segunda-feira Anelice não conseguia trabalhar direito. Pensava em Miro. Se encontraram à noite na academia. Passaram a freqüentar o mesmo horário. Aproximaram-se mais. Miro contou que era economista e tinha vontade de lecionar. Anelice falou do trabalho. O tempo passou e o casal ficava cada vez mais próximo. Porém a amizade não evoluía. Anelice tornou-se ansiosa. Miro não pedia o telefone e nem a chamava para sair. Comentou a preocupação com Dorinha. A amiga abriu os olhos de Anelice: - Eu acho ele estranho... lento demais... só fica de conversinha... deve querer só amizade e você fica delirando, aliás, como sempre. Mulher apaixonada não escuta a voz da razão. E Anelice, muito romântica, imaginou o namoro, o noivado e até o casamento. O coração disparava quando via Miro. As pernas bambeavam. As mãos suavam... e as pupilas dilatavam. Finalmente ele passou o celular e o telefone de casa para Anelice: - Eu moro com a minha mãe. Pode ligar quando quiser. Com o telefone dele em mãos, ligou. Só que nunca encontrava Miro em casa. O celular sempre na caixa-postal. Insistia. Deixava recado. Ele nunca retornava. Ela nada falava. Não queria cobrar. “Deus me livre parecer uma chata”, pensava. Dorinha era a voz da razão. Sempre alertando a amiga: - Abre o olho. Não te chama para sair, nem como amigo. Não retorna suas ligações... Vocês só se encontram na academia e ele vem com o papinho de homem ocupado. Pura conversa. Quem quer faz. No fundo Anelice também achava estranho. Sentia que ele fugia dela. Coração de mulher não se engana. Finalmente, depois de muitas conversas e troca de olhares, surgiu a oportunidade de irem juntos a festa de uma colega da academia. Dançaram a noite toda. Todos os ritmos de música. O casal perfeito. Na saída da festa, depois de se insinuar, sem sucesso, Anelice tentou beijar Miro na boca e foi rejeitada: - Não vamos confundir as coisas. É só amizade. - Qual o problema? Eu gosto de você mais do que gosto de um amigo... e só quero um beijinho. Um beijo só na boca. Miro afastou Analice com as duas mãos, irritado: - Esquece. Não dá. Gosto de você como amiga. Ela insistiu: - Você tem namorada? Não, ele não tinha. Pediu um tempo. Ela deu. Duas semanas. Não tocaram mais no assunto. Saíram mais duas vezes para tomar chope. Só amizade. Viam-se na academia. Conversavam amenidades. Outra festa. Já perdendo a paciência e incentivada por Dorinha, resolveu se declarar novamente. Partiu de maneira agressiva. Puxou a cabeça de Miro para dar-lhe um beijo. Ele deu um pulo e a empurrou. Brigaram. Quase se agrediram. Sentindo-se humilhada, Anelice foi embora sozinha. Na segunda-feira arrependida, queria falar com Miro na academia. Ele não apareceu a semana toda. Sentindo um aperto no coração, Anelice ligou. Celular na caixa-postal. Em casa, nada. Duas semanas e nenhuma notícia. Depois de uns dez e-mails e vinte torpedos, recebeu uma resposta dele por e-mail. Quando olhou o nome de Miro na caixa-postal, o coração acelerou. Porém, logo se decepcionou. O e-mail era uma despedida. Miro escreveu que estava magoado com ela, pois ele a considerava como amiga, e ela tivera um comportamento inadequado ao tentar beijá-lo na boca. Sentindo-se desrespeitado no seu carinho de amigo, pedia ainda, que ela não o procurasse mais. Anelice ficou péssima. Naquele momento, sentiu-se incapaz de conquistar o amor de uma barata. Afinal, foram quatro meses acreditando que estava agradando. Quando soube, Dorinha decretou: - É gay. Esquece. Com a autoestima no chão, Anelice perguntou: Sou feia? Seja sincera. Dorinha franziu a testa: - Claro que não! Tá cheio de homens querendo você: Jorge, Amarildo... o problema é ele e não você. Já disse: esquece. Anelice ficou tão triste que acabou largando a academia. Cada canto lembrava Miro. Dormia pensando nele. Acordava com Miro na cabeça. Ele sumiu. Foi abduzido. Carnaval chegou. Dorinha e mais duas amigas tentaram animar Anelice: - Vamos sair. Você vai ficar eternamente com cara de trouxa por causa de um homem que te rejeitou e você nem experimentou??? Outra amiga completou: - Vai ver que se experimentasse, não ia gostar. É carnaval! Levanta o astral. Anelice gostava de sofrer. Passou três dias de carnaval chorando e sentindo saudade de Miro. Saudade do que não aconteceu. Só na terça-feira de carnaval, cansada de se lamentar inutilmente, aceitou o convite das amigas para ir ao sambódromo. - Vamos Anelice... é farra... aproveita o último dia de carnaval. Enxugando as lágrimas decidiu: - Sabe de uma coisa? Eu vou. Não é hoje que a Escola de Samba da Sandrinha desfila no sambódromo pela divisão de acesso? As amigas e Anelice ficaram no setor 3 da arquibancada vazia. Por volta de 3 da madrugada, de uma quarta-feira de cinzas chuvosa e melancólica, a escola de samba de Sandrinha entrou na avenida: - Será que a gente consegue ver a Sandrinha? – perguntou Dorinha, empolgada. A bateria saiu do box. Horrorizada, Anelice reconheceu a rainha de bateria da escola. Com um minúsculo biquíni prata, e uma tiara de estrasse, Miro sambava animadamente, sorrindo e dando entrevistas. O coração de Anelice disparou. O estômago se contraiu. A cabeça rodava como se tivesse bebido duas garrafas inteiras de vinho. Tentou se jogar da arquibancada. Foi impedida pelas amigas. Alheio ao ataque de nervos de Anelice, Miro brilhava na avenida!
Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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