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COLUNISTA
Celamar Maione
07/12/2009 - 12h13
Recordações
 
 

Lúcio estacionou o carro em frente ao número 54 da Rua Leopoldo. Olhou mais uma vez o papel. As mãos suavam. O suor escorria pela testa. Parecia um adolescente tímido. Largou o volante e esfregou uma mão na outra. “Então era naquela Vila que Denise morava? Wilson garantiu que sim”.

A noite estrelada o convidou às recordações. Lembrou-se de Denise. Do sorriso meigo. Da boca carnuda. Dos cabelos sedosos. Conheceram-se na adolescência. Moravam no mesmo prédio. Brincavam de pique-bandeira, pique-esconde. Adoravam jogos de estratégia. Aos 16 anos começaram a namorar. A primeira namorada. Primeira mulher. Amavam-se às escondidas pelas escadas do prédio, suando e cheios de pressa, com medo de serem descobertos pelos vizinhos.

O namoro terminou quando Denise se mudou para outro bairro. Encontraram-se ainda algumas vezes na praia. Depois que entraram para a faculdade, nunca mais se viram. A última vez que soube de Denise, ela formara-se professora de Literatura e estava casada com um dentista.

Ele casou-se com Nadir. Tiveram três filhos. Montou um escritório de contabilidade. Vivia uma rotina tranquila. A vida estruturada desmoronou com o câncer da esposa. Dois anos de sofrimento. Ela morreu nos braços dele. No velório de Nadir, pensou em Denise. “Como será que ela está? Teve filhos? Separou? Ama o marido?”

Durante um ano tentou localizá-la através da internet. Uma maneira de se distrair e suportar a perda da esposa. Não teve sucesso. Por coincidência do destino, encontrou Wilson numa festinha de criança. Quando adolescentes, os três moraram no mesmo prédio. Perguntou se ele tinha notícias de Denise. Dois anos antes vira-a no Centro da Cidade. Contou que ela morava na mesma Vila do tio dele. Estava casada mas não tinha filhos.

Lúcio pediu o endereço. “O que fazia?” – pensou. “Ela estava casada. Não tinha o direito de estragar a felicidade da ex-namorada. Mas a curiosidade era maior”.

O endereço de Denise deslizou por entre os seus dedos durante duas semanas. Agora estava diante da casa dela. Queria ver Denise, mesmo de longe. “Será que ela o reconheceria? Lembraria dos bons momentos depois de vinte e cinco anos? E se ele se aproximasse e ela o rejeitasse? Era melhor não mexer no passado”.

Saiu do carro impulsivamente. Amassou o papel. Jogou na calçada, atravessou a rua e tocou o interfone. Número 54, casa 8. “Precisava ver Denise. Tinha urgência. E se o marido atendesse?”

Tocou novamente. Um morador abriu a porta e fez sinal para ele entrar. Agradeceu. Preferiu continuar na calçada. Finalmente escutou uma voz do outro lado. Voz de homem. “O marido dela. E agora? O que eu digo?” – pensou.

A voz insistiu, irritada:
- “Alô?! Quem é? Não vai responder?’”

Entrou no carro sentindo-se culpado. Pensou em Nadir. “O que ele fazia ali? Precisava livrar-se das lembranças. Quem sabe viajar para a Bahia? Aceitaria o desafio de abrir um escritório em outro lugar. Melhor assim”.

Denise apareceu na sala cheia de embrulhos. Olhou para o cunhado com ar de interrogação:
- Quem era?
- Ninguém.
- Ninguém?
- Não responderam. Devem ter tocado errado.

Denise esticou os braços:
- Pronto. Aqui estão as roupas do seu irmão. Dê para uma casa de caridade. É muito duro guardar tudo isso. Nem parece, né? Seis meses que ele se foi.

Leandro abraçou Denise:
- Força, cunhada. Domingo, eu, Zoraide e as crianças estaremos aqui para almoçar com você.

Sorriu desanimada. Levou Leandro até a porta. Despediram-se. Entrou em casa melancólica. Voltou para o quarto. Abriu uma caixinha que guardava desde os tempos da adolescência. Pegou uma foto de Lúcio: “Por que ainda tenho essa fotografia comigo?” Rasgou. Jogou na lixeira e preparou-se para dormir. “No fundo – pensou – tinha certeza que nunca mais o veria”.

Adormeceu.

Sonhou que dançava uma valsa. O par não tinha rosto. Sabia que era Lúcio.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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