Cinco e quinze da tarde. Final de expediente. A chuva fina fez o trânsito ficar ainda mais lento. No ônibus, Celina olhava toda hora para o relógio. O celular tocou. Não conseguia encontrar o aparelho dentro da enorme bolsa. Pediu ao homem sentado ao lado para segurar seus objetos pessoais, enquanto procurava o celular. Assim que o encontrou, ele parou de tocar. O passageiro comentou: - Acontece sempre comigo. Celina deu um sorriso de agradecimento e esperou o celular tocar novamente. - Já estou chegando, Nicinha. É o trânsito. Desceu do coletivo, apressada. Encontrou a amiga no bar pedindo o terceiro chope. Antes de se acomodar na cadeira, perguntou curiosa: - E aí, terminaram? - Sim. - Contou que eu o vi com outra? - Eu disse que quem viu fui eu. Não quis te comprometer. - E ele? - Disse que inventei uma desculpa para terminar, mas iria respeitar minha decisão. - Os homens não valem nada! – comentou com voz de desprezo. - É, e eu estou com nojo do Marcos César! - Esquece. Daqui a pouco você arranja outro. Vamos comemorar sua solteirice. Beberem e conversarem futilidades. Foram juntas pra casa. Moravam na mesma rua. Antes de se despedir da amiga, Nicinha pediu, chorosa: - Vou precisar muito do seu apoio agora que estou sozinha. - Sou sua amiga. Quando precisar desabafar, é só ligar. Nicinha abriu a porta e encontrou a mãe cochilando no sofá da sala. Ela deixou uma estátua cair. Dona Izaldina acordou com o barulho: - Que bicho mordeu você? Já chega derrubando as coisas. Que cara é essa, filha? - Mãe, se o Marcos César ligar, diz que eu não estou. - Brigaram de novo? - Terminei. Ele me traiu. - Você viu? - Quem viu foi a Celina. - Aquela encalhada? Vai atrás. Ela tá é de olho no seu namorado. Aquela lá é uma invejosa. - Olha o veneno, mãe. Celina é minha amigona. - Quando tem homem no meio, mulher nenhuma é amiga. Nicinha preferiu não argumentar. O dia havia sido cansativo demais para entrar em polêmica. Em silêncio, fechou a porta do quarto para tentar dormir. Deitou-se e começou a chorar lembrando de Marcos César. Acordou antes das sete com gosto de ressaca. Assim que abriu os olhos pensou: “Teria feito a coisa certa?” Tomou um banho frio para pensar melhor. Na cozinha fez um café bem forte. Passou o final de semana escutando música e remexendo papéis. Não disfarçou a ponta de decepção. Pensou que o ex-namorado fosse procurá-la. Segunda-feira antes de sair para o trabalhou, ainda se certificou: - Mãe, o Marcos César ligou? - Você passou o final de semana todo em casa. Ouviu o telefone tocar? Trabalhou de má vontade. Celina ligava todos dias, atenciosa, incentivando-a arranjar novo namorado. Um mês e nem um e-mail de Marcos César. Nenhuma notícia. Nada. Conversando com Celina depois de um café com bolo na casa da amiga, comentou com ressentimento na voz: - Acredita? Ele nunca me ligou. Nem para devolver minhas roupas que ficaram na casa dele. - Parte pra outra. Eu não disse que ele não prestava? Nicinha quase desmaiou quando, dois meses sem ter notícias do ex, entrou numa sorveteria com a prima e viu Celina e Marcos César aos beijos. Congelou. Os olhos queriam saltar do rosto. O cabelo arrepiou. Fez menção de se aproximar do casal. A prima impediu, segurando-a com força pelo braço: - Calma! Só você não percebia que a Celina tinha inveja de você e do Marcos César. Ela intrigou vocês pra ficar com ele. - Ela parecia tão sincera. - Os invejosos dominam com perfeição a arte da dissimulação. Quando Celina procurou-a para contar que namorava Marcos César, Nicinha fingiu não se importar: - Melhor estar com a minha melhor amiga do que com outra. Se der casamento, quero ser madrinha – mentiu despeitada. “Lutaria com as mesmas armas de Celina” – pensou com o coração ardendo de ódio. Surpreendeu-se com o próprio fingimento. Arranjou um namorado para ficar mais perto do casal. Passaram a sair todos juntos. Tornaram-se inseparáveis. Nicinha aparentava uma felicidade de fachada. Um ano depois, Celina e Marcos César anunciaram o casamento. Ela fez questão de ser madrinha e ainda deu a lua-de-mel de presente. Quando Celina e Marcos César voltaram da viagem, surpreenderam-se com a transformação da amiga. Nicinha terminou o namoro enfadonho. Colocou silicone nos seios e mudou o guarda-roupa. Passou a usar decotes provocantes e minissaias ousadas. Pintou os cabelos de ruivo, afinou a sobrancelha, engrossou os lábios e colocou lentes de contato verde. Marcos César surpreso, gostou. Celina enciumou. Na primeira semana de trabalho, Marcos César encontrou Nicinha almoçando sozinha num restaurante, perto do escritório dele. Passaram a almoçar duas vezes por semana. Provocante, Nicinha passou a assediá-lo! Não demorou para que o almoço passasse a ser no motel. Encantado com as artimanhas da ex, Marcos César propôs: - Meu casamento com a Celina foi um erro. Vou me separar para ficarmos juntos. Com ares de poder, Nicinha jogou o cabelo de lado, empinou os seios e arrastando a voz, sentenciou: - Prefiro ser amante! Dá mais tesão. As amantes se divertem mais.
Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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