Final de expediente. Neide se despede da colega de trabalho no ponto de ônibus. Sueli deseja boa sorte. - Vai dar tudo certo. Você vai ver. - Vou precisar. Será mesmo que tenho que falar? - Conta. Vocês vão se casar. Não pode haver segredos. Despedem-se com um abraço carinhoso. Vinte minutos depois Neide desce na porta do trabalho do noivo. A chuva começa a cair. Ela corre protegendo-se com a bolsa, e se abriga embaixo da marquise. Dá um suspiro de irritação e liga para Lúcio: - Seis e meia. Vai fazer hora extra? Então anda logo. Já cheguei. Estou na portaria te esperando. Quinze minutos depois Lúcio aparece apressado: - Até que enfim! - Neide, você não pode ficar chateada. Isso não é brincadeira. É meu trabalho. Hoje é quarta-feira. O que tanto você quer falar comigo? - Precisamos conversar. Urgente. Lúcio pega a noiva pelo braço. Os dois seguem para a garagem da empresa. Antes de dar a partida no carro, ele pergunta: - A conversa vai ser na minha ou na sua casa? - Não. Nada de casa. Tem sempre alguém para atrapalhar. Telefone. Cachorro latindo... - Então a conversa é séria?! - Muito. Tem que ser lugar calmo. - Motel. - Motel coisa nenhuma. Vamos naquele barzinho lá perto de casa. Seguem para o bar em silêncio como se houvesse entre os dois o peso do mundo. Descem do carro. A chuva já parara. Lúcio suspira e ajeita a camisa. Neide reclama: - Sempre cansado e com esse olhar de peixe morto. - Trabalhei duro o dia todo. - Você vive cansado. Deve ser por isso! - Por isso o quê? Neide desconversa. Entram no bar procurando uma mesa. Lúcio puxa a noiva para uma mesinha de canto com dois lugares. Pede dois chopes e verifica se está com os cartões do banco. Passa a mão pelos cabelos e finalmente pergunta: - Fala. O que aconteceu? - Vamos nos casar daqui a duas semanas. - Sim e daí? - Daí que não pode existir mentira entre nós. - E qual é a mentira que existe entre nós? Não faz suspense. Fala logo. O garçom chega com os chopes, dá um sorriso, pega o cardápio e fica esperando o pedido. Lúcio mexe nas sobrancelhas, e passa a mão na boca: - Uma pizza média de calabresa. O garçom se afasta. Ele pressiona a futura esposa: - Chega de suspense. O que está acontecendo? Neide sente o rosto corar e começa a coçar os braços, nervosa. Olha para os lados procurando disfarçar: - Eu não sei como você vai receber a notícia, mas preciso dizer. - Você já está me irritando. Não quer mais casar, é isso? - Não. Não é isso. Pelo amor de Deus! - Então o que é? - Lúcio, nesses três anos que estamos juntos, nunca gozei com você. O noivo franze a testa e faz cara de espanto: - O quê? - Isso que você escutou. Não posso falar mais alto, alguém pode ouvir. Lúcio toma o chope de um gole só. Chama o garçom: - Suspende a pizza e vê quanto dá os dois chopes. Levantam-se e saem do restaurante. Lúcio sai na frente, caminhando pesado. Neide o segue com passos apressados: - Ei, dá para andar mais devagar? Não tem resposta. Entram no carro calados. A noiva de Lúcio começa a chorar e funga entre uma lágrima e outra: - Vai ficar fazendo tipinho agora? Parece que confessei uma traição. - E mentir não é traição? Fingir durante três anos? TRÊS? Neide defende-se: - Acho melhor ser sincera antes do casamento. A gente pode tentar novas posições... Lúcio dá uma gargalhada nervosa e continua dirigindo sem olhar para os lados. Chegam na porta da casa dela. Despede-se de Neide, friamente: - Pode sair. Está entregue. - Nossa, quanta grosseria! É só o que você tem pra dizer? - Quer que eu diga o quê? Detesto mentira. Dizia que gozava gostoso comigo. Uma. Duas vezes. - Desculpe. Só queria agradar. Não vai me perdoar? - Quem mente por causa disso, mente por outras coisas também. Não tem perdão. - Estou sendo sincera. Você não pode brigar comigo por causa de uma bobagem. - Bobagem? Faltando 2 semanas para o casamento e você me vem com historinha? Você feriu minha dignidade. Não confio mais em você. Sai do meu carro. - Você não pode fazer isso... perdoa... - Sai do meu carro! ACABOU, Neide. ACABOU! A mulher entra em desespero. Implora. Segura o noivo pelo braço. Ele a empurra. - Sai do meu carro. Você não entende? Para o homem isso é muito importante. - Mas podemos consertar. Nos amamos. - Quem ama não mente. Não dá para casar com uma mentirosa! Paro por aqui. - Você quer dizer que não vai ter mais casamento? - Nossa, como você é inteligente! - ironizou. Neide sai do carro aos prantos. Lúcio respira fundo. Os olhos brilham. Passa a língua pela boca, pega o celular e faz uma ligação: - Não vai haver mais casamento. Não disse que conseguia? Do outro lado, a voz feminina grita eufórica: - Juraaaaaaaaaa?????? Você agora é só meu? Só meu? - Só seu. Mas você precisa me responder uma coisa. Uma coisinha só. - O que você quiser, meu amor! - Você goza ou finge que goza quando estamos transando? Não mente!
Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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