Sábado de sol. Aderbal lia o jornal na varanda antes do almoço, quando Ritinha chegou do salão e sentou-se ao lado dele. Com a testa enrugada, colocou o corpo pra frente e murmurou: - Precisamos conversar. É sério. O marido não tirou os olhos do jornal e com voz entediada respondeu: - Fala. - Dá para você olhar pra mim? Aderbal fez uma careta, dobrou o jornal, cruzou os braços e respondeu: - Fala. O que é? - Há um ano que eu tenho outro homem. Um amante. O marido olhou sério para Ritinha, prendendo a respiração. Silêncio total. Nenhum gemido. Ela tentou de novo: - EU TENHO UM AMANTE. Não vai dizer nada? - Sim e daí? Eu tenho UMA amante. Há três anos. Mais tempo que você. Ganhei. Ritinha engoliu em seco. Olhou para o marido enciumada. Logo ela que imaginou não sentir mais nada por Aderbal. Agora estava ali, com o coração apertado. Um bolo na garganta. Enganada durante três anos e nunca desconfiou. Irritada, se levantou e enfiou o dedo no rosto de Aderbal: - Diz. Quem é ela? Fala! É a Conceição? - Vai começar o inquérito? Hoje em dia é normal ter amantes. Ajuda no casamento. - Cínico. Quer dizer que durante três anos você me enganou? Quem é ela? Aderbal lançou-lhe um olhar de interrogação. Passou a língua pelos lábios, coçou a cabeça e respondeu com um sorriso forçado: - Acho que você não se lembra. - Então eu conheço? Fala. Quero saber o nome. Anda Aderbal. - Sabia que se eu falasse, ia dar confusão. - Aderbal, não disfarça. Quem é? - Do meu trabalho. A secretária do Souza. - Aquela branquela que fica coçando as pernas nas festas da empresa? - É e daí? - Sabia. Nunca fui com a cara dela. Sempre te olhou com olhar de bêbada no cio. - Você é engraçada. Fica cheia de coisinha mas também tem um amante. - Quero a separação, Aderbal. Não vou aturar amante sua. Corna, não! - Você não tem outro também? - Tenho. - Então. Separar pra quê? O Juninho vai fazer dez anos. Precisa do pai e da mãe. Separar o que Deus juntou? Dividir casa? Pensão? Dá muito trabalho. - Mas vamos viver essa vida de hipócrita? - Não somos hipócritas. Somos práticos. Casamento é tudo igual. Ritinha correu o olhar pelos cantos. Andou pelo jardim. Mexeu nas plantas, balançou os cabelos e olhou as unhas que acabara de fazer. Pensou no amante. No casamento das amigas. Na solteirice da irmã. No namorado da amiga de infância, flagrado com duas mulheres na cama. A cabeça girava. “Quem estava certo nesse mundo?” – se perguntou arrancando as folhas do arbusto. Aderbal voltou a ler o jornal. Ritinha sentou-se perto do marido novamente e decidida, propôs: - Tenho uma ideia! - Será que eu não vou conseguir ler o jornal? - Presta atenção. A ideia é boa. - Qual? - Vamos chamar a sua namoradinha e o meu namorado para jantar aqui em casa? - Tem certeza? Tá preparada? - Tô. E você? - Se é isso o que você quer. Topo qualquer parada. Sou um cara de mente aberta. - Mas eu não quero que eles saibam que a gente sabe, entende? - Como você quiser. Combinaram o jantar para o sábado seguinte. Ritinha dispensou a cozinheira e fez questão de fazer o empadão de camarão e a salada de lentilha. De sobremesa, torta de morango. Preparou o filho para a visita. - Hoje eu e seu pai vamos receber um casal amigo. Comporte-se! Nada de grudar chiclete nos móveis. Oito da noite. Alice chegou primeiro. Desconfiadíssima com o convite. Presenteou Ritinha com um vaso de violetas. A esposa de Aderbal sorriu e fez voz de nojo: - Adoro violeta. Você é muito gentil. Quinze minutos depois chegou Cardoso, com uma garrafa de vinho. Presente para Aderbal. O jantar transcorreu animado com direito a algumas palavras recheadas de veneno. Juninho dormiu logo depois da sobremesa e os quatro conversaram sobre amenidades até quase uma da manhã. De vez em quando, enciumada, Ritinha percebia a troca de olhares entre Aderbal e Alice. Mas disfarçadamente, roçava a canela direita nos pés do amante. Espreguiçando-se e abrindo a boca, Cardoso olhou o relógio: - Uma da manhã! Já vou. Tenho que acordar cedo. Prometi caminhar com o meu pai.. Alice convidou-se: - Você pode me dar uma carona? Moramos perto. - Será um prazer. Os dois saíram sorridentes com a promessa de novos jantares. Quando ficou sozinho com a esposa, Aderbal perguntou cheio de expectativa: - Gostou? - Meio estranho. E se eles resolvem ir para o motel? - E daí? Nós também não vamos dormir juntos? Encaminharam-se para o quarto abraçados e trocando gracinhas. Exaustos e festivos, pegaram no sono às cinco da manhã. Antes de adormecer, Aderbal amornou a voz: - Foi bom pra você, Ritinha? - Ótimo. Melhor, impossível.
Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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