Saí do quarto na ponta dos pés. Fechei a porta devagar e fui até a sala. Abri a janela e respirei o ar da noite. O vento bateu nos meus cabelos. As luzes da cidade me lembraram, por alguns momentos, da minha infância. De repente uma onda de melancolia invadiu meu ser. Meu coração acelerou e quase saiu pela boca. Fechei a janela, me sentei no sofá e desandei a chorar. As lembranças de nós dois giravam na minha cabeça. O sorriso. O toque. A boca. Dois anos de namoro. Como eu o amava! Nos conhecemos na fila da locadora. Escolhemos o mesmo filme. Animados, saímos da loja e ficamos meia hora conversando na calçada. Na despedida, entre brincadeiras, ele pediu meu telefone. Dois dias depois saímos para jantar num restaurante. Luz de velas. Vinho tinto. Troca de olhares. Conversa ao pé do ouvido. A voz doce fazia cócegas na minha imaginação, arrepiando meu corpo. Começamos a namorar. Um mês depois, com o coração acelerado, eu disse pela primeira vez “te amo”. Nosso amor causava inveja. Despertava cobiça. O som estridente do telefone me trouxe de volta ao presente. Estremeci. Lembrei da minha realidade. Dos sonhos desfeitos. Das promessas jogadas no lixo. Da mentira. Da traição. O telefone tocou novamente. “Deve ser minha mãe”. Peguei o aparelho e falei com voz sonada: - Alô! - Minha filha, estou preocupada. Desde cedo ligo para o seu celular e dá fora de área. E seu telefone convencional, estava fora do gancho? - Sim. - O que você tem minha filha? Você quer que eu vá para aí? - Não. - Você vai ficar bem sozinha? - Vou. - Você vem almoçar amanhã aqui em casa? - Não. Quero ficar sozinha. - E ele? Ligou? - Não. Mamãe desligou preocupada. Fui até a cozinha procurar alguma coisa para comer. Fritei dois ovos com bacon e peguei uma lata de cerveja. “Pra quê comer?” – questionei. Tudo me parecia fora do lugar. A vida fugia de mim. Meu corpo não respondia meus movimentos. Tornei-me uma boneca de pano. Sem expressão. Peguei dois comprimidos para dormir na mesinha da sala. Desmaiei no sofá. Durante a noite tive pesadelos. Acordei assustada. Pela manhã, o sol invadiu a sala. Acordei com um gosto amargo na boca. Lembrei da noite passada. Fui até o quarto. Abri a porta. Tudo como eu havia deixado. As janelas fechadas. A cama desarrumada. Roupas no chão. Cheiro de morte. Desliguei os telefones, fui até a padaria, comprei pão e ao passar pela portaria avisei ao porteiro que eu não estava para ninguém. Arrumei cuidadosamente a mesa do café. Duas xícaras. Pães. Queijo. Frutas. Café e leite. Ele não estava ali comigo. Nunca mais. O leve roçar das bocas. Éramos tão felizes. Adeus encanto. Tchau felicidade. Íamos nos casar. Por que mudou de idéia? Quem era ela? Quem destruiu meus sonhos? O café esfriou. Arrumei a mesa e fiquei assistindo DVD. Presentes dele. Almocei quatro da tarde. O dia empalideceu. A decisão estava tomada. Coragem. Era preciso. Fim de caso. Oito da noite. A cidade novamente às escuras. Fechei todas as janelas com cuidado. Vedei janelas e portas. Tomei um banho morno. Coloquei o perfume preferido dele. Liguei o gás. Abri a porta do quarto e lá estava ele. Adormecido. Ainda a sorrir. Deitei-me cuidadosamente para não acordá-lo. Em seguida, limpei as manchas de sangue que manchavam-lhe o rosto de anjo. Coloquei-lhe os braços em volta do meu pescoço e olhei pela última vez o rosto do homem que eu amava. Dez da noite. Respirei fundo. Minhas narinas ardiam. Senti o peito explodir. - Boa noite, meu amor! Juntos, pra sempre!
Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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