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COLUNISTA
Celamar Maione
02/09/2009 - 07h45
Surra de amor não dói
 
 

Waldete descascava a cebola para o molho do cachorro-quente do aniversário do filho quando a irmã apareceu.
- Bom dia... bom dia... cheguei! Vim lhe ajudar a preparar as comidas para a festa logo mais.
- Bom você chegar, Marlene. Falta fazer muita coisa. Aproveita e vai enrolando a massa dos pasteizinhos... e olha que já adiantei muita coisa durante a semana.
- O Osvaldino tá aí?
- Saiu com o irmão. Foram comprar mais cerveja. Por quê?
- E o aniversariante?
- Tá na rua brincando com os coleguinhas. Não viu ele não?
- Não vi não. Eu tenho uma coisa chata pra lhe dizer Waldete.

Waldete nem percebeu que o tom de voz da irmã mudou e continuou a cortar a cebola.
- Fala. Tá precisando de dinheiro emprestado? – brincou.
- Você não pediu para eu investigar se o Osvaldino voltou a sair com outras mulheres?

Imediatamente Waldete se virou para a irmã.
- O que você descobriu?
- Vira essa faca pra lá, Waldete. Cruzes! Não é para mim que você tem que apontar esse troço.
- Tá, me diz, anda, o que você descobriu?
- Ele voltou a sair com outras. Tem um monte de rolo. Os colegas do trabalho colocaram até um apelido nele: bico doce.
- Bico o quê?
- Bico doce. Enrola a mulherada, conta um monte de vantagens, diz até que é solteiro. Seu marido é um cafajeste.

Waldete sabia da fama de conquistador do marido. Porém pensou que era coisa do passado. Revoltada com a notícia, colocou a mão na cintura e apertou os lábios de nervoso.
- Bico doce? Ele me paga. Já conversamos sobre isso. Disse que não ia mais me trair. Acredita que chorou? Fiquei com pena. Perdoei e agora volta a aprontar?!
- E você acreditou? Uma vez infiel, sempre infiel. Mas olha lá o que você vai fazer. Hoje é aniversário do seu filho. Não vai estragar a festa do garoto.
- Deixa comigo. Encerra o assunto, eles estão chegando.

Waldete ajudou a guardar as bebidas no freezer e não comentou mais sobre o assunto da traição. Porém, cada vez que olhava o marido, uma raiva lhe subia a cabeça. Tinha vontade de socar Osvaldino. Os preparativos para a festinha, em comemoração aos 8 anos de Marquinho, único filho do casal, seguiram. De noite, depois de fritar os salgados, Waldete estava exausta e com o coração apertado. Comentou com a irmã:
- Se eu pudesse ia dormir agora. Além de cansada, não consigo olhar para a cara de cocker spanish do Osvaldino.
- Ânimo! A festa está só começando. Daqui a pouco nossa mãe chega, suas cunhadas, sogra, alguns colegas de trabalho do seu marido. Tem que ficar bem bonita. Se mostrar superior.
- Tá bom, tá bom. Deixa eu colocar uma máscara e fingir que não sei de nada.

Se arrumou de má vontade. Pensava na traição de Osvaldino. Ele jurara que nunca mais ia sair com outra. Dessa vez – pensou – daria um jeito. Ele merecia uma lição. Cansou de fazer vista grossa para as sacanagens do marido. Se encheu de coragem e foi receber a família. A irmã e a vizinha ajudavam a servir os salgadinhos. A mãe de Waldete reclamava:
- Minha filha, esse croquete está muito massudo. Não foi assim que eu lhe ensinei.
- Da próxima vez a senhora chega cedo para ajudar, tá bom?

Irritada, Waldete foi até Osvaldino e arrancou-lhe o copo de cerveja da mão.
- Quem vai beber agora sou eu!
- Tá doida? Nunca foi de beber.
- Mas hoje vou beber para comemorar o aniversário do NOSSO filho.

Exagerou na bebida. A irmã se preocupou. Waldete falava enrolado:
- Daqui a pouco tá na hora de partir o bolo... e...
- Waldete, me dá esse copo aqui, já bebeu demais.
- Me deixa beber Marlene, hoje é aniversário do meu filho.

E olhava para o marido. que conversava empolgado com os irmãos, de olho nas pernas da vizinha. O olhar de Osvaldino parecia um radar. E foi na hora de partir o bolo que a confusão começou.
- Osvaldino fica aqui do meu lado, a gente vai cantar parabéns para o Marquinho agora.
- Não tem necessidade. Fico aqui mesmo.

Osvaldino – Waldete percebeu – queria ficar numa posição estratégica para olhar melhor as pernas da vizinha. O sangue foi subindo.
- Osvaldino, já falei, quero você aqui do MEU lado.
- Não vou. Tá pensando que vai mandar em mim? Vou ficar aqui.
- É? Vai? Então depois não diz que não avisei.

Na frente dos convidados, Waldete avançou pra cima do marido. Tirou o tamanco do pé direito – um tamanco de madeira, pesado, com um salto enorme – e começou a bater em Osvaldino. Surra de tamanco.
- Isso é para você aprender a me respeitar, bico doce. Agora vai apanhar na frente de todo mundo. Quero ver essa fama de dom juan durar.

Os irmãos tentaram tirar Waldete de cima de Osvaldino. As esposas não deixaram.
- Ele merece apanhar. Deixa. Todo mundo conhece a fama do Osvaldino.

A mãe de Osvaldino gritava:
- Tirem essa doida de cima do meu filho! Ele é homem!

Waldete batia mais no marido.
- E a senhora sai daqui. Não se mete. Quem se meter, apanha também. E de tamanco.

Osvaldino gritava:
- Pára, tá doendo. Não bate aí. Machuca.

A vizinha paquerada, ria.
- Que vexame! Coitado! Que vexame!

Os colegas de trabalho davam risadinhas, se entreolhando. Uma surra histórica na carreira de conquistador de Osvaldino. Tinha até torcida das cunhadas. Não sabiam porque, mas sentiram-se vingadas:
- Se me trair faço o mesmo com você!

Durante um mês ficou com dores pelo corpo. Foi o comentário principal no trabalho e na vizinhança. Com medo de outra surra, tornou-se um homem fiel. Se Waldete soubesse que surtiria efeito, o teria surrado há mais tempo. Mesmo assim não relaxou. Sempre que saíam, ela o prevenia:
- Se olhar para o lado, leva outra surra! E de tamanco! Comprei um novo, ótimo.

Osvaldino, com medo, nem respirava.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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