O dia da festa
Depois de muito trabalho, chega, enfim, o dia da festa. A maquiadora dá os últimos retoques na aniversariante, quando ela pede que Eonice chame o pai. - O que você quer? Seu pai está se arrumando. - É urgente e particular. A curiosidade lhe corrói a alma: - Alicinha quer falar com você em particular. Sente uma pontada de ciúme. Alicinha fica a sós com o pai. Pede que ele se sente ao seu lado. Concentrada, pega-lhe as mãos, coloca-as entre as suas e suspira. - Pai, sinto cheiro de coisa estranha no ar e tem a ver com mamãe. Tenho mau pressentimento. Ultimamente está cheia de segredos. Não é a mesma de antes. Mudou. Moacyr empalidece. Pensa em Aparecida. Disfarça. - Deixa de bobagem. Eonice adora você. - Não sei, pai. Meu coração está apertado. - É a emoção. Vamos, sua mãe nos espera no carro. A missa é rezada por Padre Antonio. Os convidados ficam emocionados com as palavras do religioso. Durante a recepção, na porta de entrada do clube, os convidados são recebidos por três jovens que lhes presenteiam com uma linda caixinha iluminada em forma de coração, com o nome de Alicinha. A aniversariante entra no salão triunfante num vestido azul-turquesa de tafetá. Um foco de luz violeta acompanha-a pelo salão até o palco. Ela chora de emoção. Um grupo de violinistas toca Fascinação. Os convidados comovem-se. Os mais sentimentais vão às lágrimas. A decoração é delicada e de bom gosto. Jarros de violeta enfeitam as mesas. O bolo de cinco andares, com glacê rosa, fica no meio da gigantesca mesa de doces, decorada com uma toalha dourada fosca. Moacyr emociona-se ao ver a beleza da filha. Empenhara a alma para proporcionar momentos felizes para Alicinha. A festa começa com o DJ tocando as músicas escolhidas pela aniversariante. Enquanto a jovem se diverte, Eonice anda de um lado para o outro. Moacyr preocupa-se. - Eonice, nunca vi você assim. Tensa demais! - É a emoção, ora essa! - Você está esquisita. Não aproveita a festa e nem conversa com os convidados. - Impressão sua. Vira as costas e vai atender o celular. Moacyr respira acelerado: “O que será que houve? Vem coisa aí... vem coisa aí!”. Esfrega as mãos, tenso. Meia-noite. Moacyr aproxima-se para dançar a valsa. Eonice impede. Ela sobe no palco e arranca o microfone das mãos do DJ. Rufam-se os tambores. Expectativa. Um telão se abre. Momentos importantes da vida de Alicinha passam na tela. A jovem abraça-se à prima chorando, emocionada. Moacyr treme de nervoso. Não tem bons pressentimentos. Assim que a apresentação acaba, Eonice pigarreia e fala alterada: - Este é um momento importante não só na vida de Alicinha, mas também na minha. As máscaras cairão. DJ, rufe os tambores mais uma vez. Moacyr tenta subir no palco. Alicinha o segura pelo braço. Eonice continua o discurso diante do olhar atento dos convidados: - Pra quem não sabe, Alicinha é minha filha de criação. Eu a encontrei num cesto na porta da minha casa. Alicinha chora e fala baixinho ao pai: - Pra quê isso? Ela tinha necessidade de contar pra todo mundo? Quanta humilhação! Eonice falou, falou e, no final do discurso, dá o golpe de misericórdia: - DJ, ilumine a mesa perto da porta. Por favor Aparecida, levante-se. Com ar vitorioso, a mulher fica em pé e vai para o meio do salão. Eonice revela: - Aparecida é a verdadeira mãe de Alicinha! Os convidados ficam boquiabertos. - Gente, o que é isso?! Baixaria! – comentam. Outros fazem coro: - Ohhhhhhhhhhhh! Um colega de classe de Alicinha grita: - Roupa suja se lava em casa! Vamos continuar a festa. Quero bolo! Eonice, possuída pelo despeito, prossegue com o discurso raivoso. Grita ressentida: - Eu criei Alicinha. Filha do meu marido com a amante. Aparecida era amante de Moacyr. Ele nunca teve coragem de me contar. NUNCA! Durante anos convivi com o fruto da traição, na minha casa! Eonice tem convulsões. Humilhado, Moacyr sobe ao palco e arranca o microfone das mãos da mulher. Aparecida corre em direção à rival e a abraça. Choram emocionadas. Moacyr sente a garganta seca e anda pelo salão perdido. Tem a vida devassada na frente dos convidados. Reação pior teve Alicinha. Ela pega o microfone das mãos do pai e berra com ódio na voz: - Odeio vocês duas. Estragaram a minha festa de 15 anos! Saiam daqui! Quero vocês fora da minha festa. FORA! Num gesto de menina mimada, se joga no chão batendo os pés. Espuma de raiva. Num descontrole emburrecido, rasga o vestido, deixando um seio à mostra: - Fora! Saiam daqui vagabundas invejosas! Vocês não valem nada! Não pensaram em mim um instante. Egoístas! Cega de despeito, Aparecida pega dois copos de chope na bandeja do garçom e vai até Moacyr. Despeja-lhe a bebida pelo corpo. Ri debochadamente: - Eu não disse que me vingava? Esperei quinze anos! Consegui! Agora crie sozinho a filha que você rejeitou no passado! Os seguranças colocam-na porta à fora. - Tirem as mãos de mim! Estou saindo. Eonice também sai. Antes, mete a mão no glacê e enfia na cara de Moacyr: - É o que você merece por mentir durante anos! Canalha! Criei sua filha com outra! Só não mato você porque não sou assassina! Alicinha berra fazendo biquinho: - Saiam! Saiam da minha frente. No desespero de continuar a festa, a aniversariante pega o microfone e ordena: - Dancem! DJ, a valsa! Quero todos dançando. A festa continua! Alicinha vai até o pai, pega-o pelas mãos e rodopia pelo salão, com fúria. Moacyr obedece, com o rosto sujo de glacê rosa e a gravata torta. A aniversariante ri histericamente com o vestido rasgado e um dos seios à mostra. Ao fundo, a Valsa de Strauss, Vozes da Primavera, dá leveza, ao momento surreal.
Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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