Moacyr desfaz o nó da gravata e toma o último gole de chope. Nervoso, passa a mão pelos cabelos e chama o garçom: - Amigo, mais um! Aparecida dá um risinho de canto de boca com ar vitorioso. - Cuidado, vai ficar bêbado. Já está no quinto chope. - Depois dessa notícia, o que você esperava? Estou arrasado. - O mundo não acabou. Não faz drama. - Não? Sou casado. Sabia disso e agora me diz que está grávida? - Qual o problema? Gravidez é coisa do outro mundo? - Para um homem casado, sim. Como teve coragem de me trair? Aparecida debocha: - Fiz o filho sozinha? Moacyr propõe: - Dou o dinheiro do aborto e ainda uma graninha extra para você fazer compras no shopping. Aparecida fuzila Moacyr com o olhar. - Vou ter meu filho, mesmo contra a sua vontade! E nem ouse me comprar. Moacyr engole em seco e pede mais um chope. Vivem momentos de impasse. Agitado, ele olha o relógio e pede a conta: - Amanhã conversamos melhor. Preciso ir. Eonice me espera. Chega em casa tenso. Eonice recebe-o carinhosamente: - Estava preocupada. Liguei para o seu celular e entrou caixa-postal. Problemas? Não consegue disfarçar o nervosismo. Amava a esposa. A amante era distração. Agora estava enrascado. Tornara-se vítima de sua irresponsabilidade. A amante engravidara de propósito. Tinha certeza. A esposa não podia ter filhos. Moacyr não queria magoar Eonice. Esforça-se para parecer natural. Ela desconfia. - Tem algo errado. O que é? Está cheirando a bebida. Fala! - Problemas no trabalho. Jantam num silêncio constrangedor. Moacyr pensa na gravidez de Aparecida. Precisa convencê-la a tirar a criança. Tornam a se encontrar. Moacyr insiste no aborto: - Será melhor pra todos nós! Aparecida dá-lhe um tapa no rosto. -Vou ter meu filho longe de você. Monstro! Você vai me pagar. Escreve o que digo: Vai me pagar. Hoje você morreu pra mim! A amante não dá mais notícias. Moacyr tenta contato procurando-a no trabalho. Pediu demissão. Ninguém atende no antigo apartamento. O porteiro não dá informação. Ele sente uma mistura de saudade e alívio. “Dane-se. Que tivesse o filho longe dele”. Os dias corriam dentro da rotina. Lembra de Aparecida raramente. Quase um ano depois sem ter notícias da amante, chega em casa depois do trabalho e assusta-se com a cena. Encontra Eonice sorridente embalando um bebê. Empalidece. - De quem é a criança? - Não sei. É uma menininha linda. Deixaram aqui na porta num cesto. Não é fofa? - Precisamos chamar a polícia. A criança não é nossa. Vamos deixá-la no juizado. - Polícia? Juizado? - Claro. Podem pensar que a seqüestramos. Eonice interrompe o marido: - Se a mãe não aparecer, quero adotar o bebê. Já tenho até nome: Alicia. O nome da minha avó. Moacyr tenta convencer a esposa a desistir da idéia. Ela insiste: - É um sinal de Deus! É o filho que eu tanto queria. Vamos adotá-la. - Mas e se a mãe aparecer? - Moacyr, quero a criança. Ou a adotamos ou me jogo do prédio. A atitude dramática convence Moacyr. Entram com o pedido de adoção. Alícia sai do juizado nos braços afetuosos de Eonice. Quando entram no carro, o celular de Moacyr toca. Ele atende e gela: - Gostou da surpresa? Querendo ou não agora vai criar sua filha! SUA! Ele estremece. Uma sombra negra passa diante dos seus olhos. Sente amargura na voz seca da ex-amante. Ela dá uma risada neurótica e desliga. Eonice intriga-se com a reação do marido: - Quem era? Você está pálido. - Engano. O tempo passa. Eonice enche-se de amores por Alicia. Faz-lhe todas as vontades. No aniversário de um ano, a criança tem festa de princesa. Quando completa cinco anos está mimadíssima. Moacyr preocupa-se. - Você está estragando Alicinha. Está teimosa. Geniosa. Vai ficar insuportável quando crescer. - Ela é a princesa da minha vida. Sabe que é parecida com você? Ele engole em seco. Depois que adotaram Alicinha, Moacyr não teve paz. Aparecida liga quase todos os dias ameaçando-o. A vida de Moacyr transforma-se num cruel suspense. De um lado as ameças de Aparecida, do outro, a esposa torna-se fria e distante. Só tem olhos para Alicinha. Moacyr cobra sexo. Eonice ofende-se: - Você é muito egoísta. Todos os meus momentos são dedicados a Alicinha. Se continuar querendo me agarrar, saio de casa e levo Alicinha. Quando a menina completa dez anos, Eonice chama-a para uma conversa séria. Conta-lhe, bem intencionada, que ela é adotada. A garota traumatiza-se. Passa a fazer terapia. Com o tratamento, aparentemente, conforma-se com a revelação, mas sente raiva de Eonice. Acredita que a mãe adotiva destruiu sua felicidade ao revelar-lhe a verdade. Numa sexta-feira chuvosa, Alicinha passa mal e pede para sair mais cedo do colégio. Chega em casa e não encontra Eonice. Aproveita a ausência da mãe e abre o coração para Moacyr: - Papai eu sei que mamãe me adora. Mesmo não sendo mãe de sangue. Mas tenho que lhe confessar uma coisa. Naquele instante Moacyr tem, pela primeira vez, um gesto de carinho com a filha. Acaricia-lhe os cabelos e suspira ternamente. - Fala, filha. O que a angustia? - Não gosto mais da minha mãe. Algo se partiu dentro de mim. Veja: contar que sou adotada? Já o senhor, não sei, tenho uma afinidade enorme. Coisa de pele. Moacyr emociona-se. Seus olhos enchem-se de lágrimas. O momento de ternura é cortado pela chegada de Eonice. Ela entra em casa tirando as sandálias e grita eufórica. Fala compulsivamente e atropela as palavras. No rosto, um ar de despeito. - Alicinha, como lhe prometi, farei uma festa de 15 anos pra você. Será inesquecível! Eu e seu pai fazemos questão. Você é nossa filha de coração. Não é Moacyr? Moacyr concorda desconfiado. Eonice continua: - Vim da rua agora. Estava pesquisando preços. Você terá uma festa de rainha! Mesmo não gostando da mãe como antes, Alicinha se une a ela para agilizar os preparativos da festa. A última semana foi de muito trabalho e nervosismo; Na família e na vizinhança só se fala nos 15 anos da jovem. Os mais exagerados dizem que a festa será para quinhentos convidados. A vizinha de porta afirma que os convidados receberão um folheto com o roteiro da festa. A irmã de Eonice espalha que o cunhado presenteará Alicinha com um anel de brilhantes. Todos deliram. O ser humano precisa de pequenas futilidades e fofoquinhas para não enlouquecer. (Continua na próxima semana.)
Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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