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COLUNISTA
Celamar Maione
13/07/2009 - 12h10
O ex-marido cachorro
 
 

Rose andava apressada pelo Largo da Carioca, sendo perseguida por Ismael.
- Pára, Rose! Preciso falar com você.
- Me deixa em paz, Ismael! Some da minha vida!
- Não posso. Sou pai dos seus filhos!
- Então não enche o meu saco.

Ismael alcançou a ex-mulher e segurou-a pelo braço.
- Me escuta, pelo amor de Deus! Você tem que me escutar.
- Larga meu braço, Ismael, tá todo mundo olhando.
- Você foi a mulher que mais amei na vida! Ainda amo!
- Foda-se!

Rose se desvencilhou e entrou no prédio. Ismael foi barrado pelo porteiro. A mulher chegou no escritório ofegante.
- Nossa, que bicho mordeu você?! Que cara feia! Dá um sorriso!
- Adivinha, Regina?
- Ismael, de novo?
- Isso. Atrás de mim no Largo da Carioca fazendo declaração de amor.
- Que homem insistente! Só pode ser doido...
- E vai me enlouquecer...

Rose tomou um copo de água e nervosa, foi ler os e-mails. Não conseguiu se concentrar. Está separada há seis anos e não tem sossego. O ex-marido vive perseguindo-a. Manda mais de dez torpedos com declarações amorosas por dia. Telefona. Quando descobre que ela sai com alguém, envia flores ou vai visitar as crianças nas horas mais impróprias. Os pretendentes somem. Pensava na agonia vivida desde a separação, quando Regina grita:
- Tem um homem na cobertura ameaçando pular!

O coração de Rose acelera e ela dá um pulo assustada.
- Será que é Ismael?

Desce pelas escadas. Quando chega na portaria, a confusão está formada: carro de polícia, bombeiro, imprensa e populares gritam e olham para o alto. No terraço, Ismael berra e tira a roupa. Quando se desfaz da cueca e atira na calçada, a multidão delira. As mulheres se estapeiam para levá-la. Rose chega na hora. Uma confusão de sentimentos invade-lhe o coração: sente nojo, vergonha e pena do ex-marido. Quando se aproxima para falar com um policial, avista a ex-sogra chegando com os netos:
- O que a senhora faz aqui com os meninos?
- Eles viram o pai pela televisão.

Furiosa por Arminda colocar as crianças no meio da confusão, começa a discutir chamando a atenção. Um policial puxa-a pelo braço.
- A senhora é a Rose, esposa do homem que tá lá em cima?
- Ex, seu guarda. Ex.
- Ele grita seu nome toda hora e ameaça se atirar se a senhora não falar com ele.

Quando Rose chega no terraço, ele corre para abraçá-la e é agarrado pelo bombeiro. Ismael é levado para uma casa de repouso, enrolado num lençol e aplaudido pela multidão. Durante o tempo que ficou internado, Rose viveu em paz. Porém, estremeceu, ao pensar na possibilidade do ex-marido sair do hospital. Numa sexta–feira, depois do trabalho, chegou em casa exausta e encontrou Ismael sentado no sofá, vendo televisão com as crianças. Os meninos estavam eufóricos e correram para contar a novidade:
- Papai saiu do hospital! Papai voltou!

Rose colocou a mão na cintura e falou decidida:
- Ismael, você não mora mais aqui! Vai pra casa da sua mãe, anda, arruma suas coisas!

Choroso, ele se ajoelhou e juntou as mãos implorando:
- Por favor, deixa eu ficar! Eu não atrapalho, juro. Faço o que você quiser.
- Ah é? Quer ficar? De qualquer maneira?

Balançou a cabeça eufórico. Sem dizer uma palavra, Rose bateu a porta e foi na rua. Voltou meia hora depois com uma sacola de compras.
- Vai ficar? Então, coloca a coleira no pescoço.

Não adiantou o protesto das crianças. Rose tirou os apetrechos caninos da bolsa. No fundo, ela tinha esperança de que ele desistisse e fosse embora. Impossível. Ela colocou a coleira em Ismael e ele ficou amarrado ao tanque, junto com o Yorkshire da família. Apesar da condição humilhante, estava feliz. Rose chegou ao exagero de levar Ismael para passear na coleira. Teve prazer em humilhá-lo. Um prazer sádico, até então, desconhecido por ela. Na vizinhança, o escândalo foi grande.
- Corre aqui, mãe, vem ver o Ismael passeando na coleira.
- Já não se faz mais homem como antigamente!
- A culpa é da imprensa que dá mau exemplo.

Chamada por uma vizinha, Arminda chegou na hora que o filho levantava a perna para fazer xixi no poste. Houve bate-boca. Arminda teve um ataque cardíaco e está internada no CTI. Rose passou a levar a família para passear aos domingos na Quinta da Boa Vista. Com a língua de fora e de quatro, Ismael corre satisfeito pelo gramado, para pegar o osso jogado pelas crianças. Em seguida, entrega-o à ex-mulher e gane de felicidade. Uma felicidade canina.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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