25/11/2024  20h36
· Guia 2024     · O Guaruçá     · Cartões-postais     · Webmail     · Ubatuba            · · ·
O Guaruçá - Informação e Cultura
O GUARUÇÁ Índice d'O Guaruçá Colunistas SEÇÕES SERVIÇOS Biorritmo Busca n'O Guaruçá Expediente Home d'O Guaruçá
Acesso ao Sistema
Login
Senha

« Cadastro Gratuito »
COLUNISTA
Celamar Maione
08/06/2009 - 12h04
Madame Lu
 
 

Madame Lu entra na igreja depois da missa das seis, encaminha-se para a segunda fila à esquerda e ajoelha-se lentamente. Em seguida, abre a bolsa e pega um terço, segura-o firme com as duas mãos, fecha os olhos e começa a rezar. Uma senhora aproxima-se e toca em seus braços. Ela dá um salto, mas relaxa quando a mulher mostra a sacolinha. Madame Lu pega uns trocados, coloca na sacola e volta a rezar. A igreja fica vazia e silenciosa. Quinze minutos depois, olha o relógio e perde a paciência. Resmunga alguma coisa e quando prepara-se para guardar o terço, sente duas mãos pesadas pressionando-lhe os ombros.
- Desculpe a demora. Foi o trânsito.
- Pensei que não viesse.
- Jamais. Trato é trato e seria perigoso não aparecer.
- Certamente. Trouxe a outra parte?
- Está tudo aqui. Conforme o combinado.
- Então ajoelhe-se ao meu lado.
- Pra quê? Rezar? Já tenho um lugar reservado no inferno - riu, apertando os lábios.
- Pode ser que rezando Deus o perdoe. Nunca se sabe.
- Não existe perdão para o que eu mandei fazer.
- Acredita em Deus?
- É mais fácil acreditar. Sim, acredito.
- Então porque me pediu para fazer o serviço?
- E você? Acredita em Deus?
- Nunca tive tempo para pensamentos existenciais. Sou pragmática. Muito ocupada.
- Ocupada? Eu diria que intrigante e misteriosa.
- Faz parte da minha profissão.
- Não quer jantar um dia desses comigo?
- Não me envolvo com clientes.
- Nosso contrato encerra hoje. Serviço feito e pago. Não sou mais seu cliente.
- Não misturo lazer com trabalho. Aliás, a polícia desconfia de alguma coisa?
- Me fez algumas perguntas. Mas parece convencida de que foi latrocínio.
- Vi sua foto nos jornais. Parecia um marido sinceramente desesperado, abraçado ao corpo da mulher no asfalto, clamando por justiça.
- Sou um artista. E você uma excelente profissional. Muito boa no que faz.
- É a prática. Não deixo rastro. Na cidade do Rio de Janeiro sua finada mulher já virou estatística.
- Nada como contratar uma matadora experiente. Aprendeu com quem o ofício?
- Vocação. Arrependido?
- Não. Se pudesse mataria aquela vaca gorda novamente.
- Você é um perfeito cavalheiro - disse ironicamente - Não sei quem é pior: se sou eu ou meus clientes.
- E nós dois?
- O que tem nós dois!?
- Que tal passarmos uma noite juntos? Gostaria de saber se trepa tão bem quanto mata.
- E você acha que eu treparia com um homem que manda matar a esposa?
- Você não é minha esposa. É apenas uma paquera perigosa - riu cinicamente.
- Sou matadora e não prostituta.
- Mas é uma mulher e linda por sinal.
- Sexo despende muita energia. Gasto minha energia no trabalho.
- Não acredito que só veio ao mundo para matar. Uma mulher sensual como você?
- O cheiro da morte me excita. Preciso de adrenalina para preencher o vazio que existe em mim.
- Não acredito que seja tão perversa. Existem outras maneiras de se preencher um vazio.
- Desculpe, preciso ir. Já fiquei tempo demais aqui.
- Tem medo de se apaixonar por mim?
- Medo? Não existe essa palavra no meu dicionário. Preciso ir. Não insista.
- Não vai conferir o dinheiro?
- Confio em você.
- Não quer mesmo sair comigo?
- Não. Toma meu cartão. Se precisar dos meus serviços novamente, entre em contato.
- Você é uma metamorfose: “Cynara Pedicure. Atendo a domicílio” - leu o cartão em voz alta e segurou no braço de Madame Lu:
- Era uma cartomante e agora se transformou numa pedicure!?
- Na minha profissão é preciso mudar. Não existe rotina.
- Posso ligar amanhã?
- Amanhã viajo para outro estado. Novo cliente. A indústria da morte não pára.
- Desse jeito vou largar meu emprego e começar a matar gente.
- Se tiver vocação, pode virar meu concorrente. Dá dinheiro. Nunca passei fome.
- Você trabalha sozinha?
- Você é muito curioso. Já disse: Não me envolvo e nem dou informação a respeito da minha vida.
- É uma pena. Gostaria de conhecê-la melhor.
- Nosso contato termina aqui. Hora de partir. Sai primeiro. Ninguém pode nos ver juntos.

Madame Lu fica sozinha. Torna a pegar o terço. Coloca a pasta com o dinheiro em cima das pernas e fecha os olhos. Concentra-se durante alguns minutos. Quando vira-se pra ir embora, esbarra em Padre Antonio:
- Desculpe, Padre.
- Nossa, que moça bonita! Qual é seu nome, minha filha?
- Bárbara.
- Devota de Santa Bárbara?
- Minha mãe colocou o nome em homenagem a ela.
- Que Deus a abençoe e a conserve assim, sempre bela.
- Que assim seja, Padre!


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
PUBLICIDADE
ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES SOBRE "CONTOS"Índice das publicações sobre "CONTOS"
20/12/2022 - 06h19 Aquelas palavras escritas
20/10/2022 - 06h07 Perfil
30/06/2022 - 06h40 Ai eu choro
13/06/2022 - 06h32 Páginas de ontem
31/05/2022 - 06h38 É o bicho!
24/05/2022 - 06h15 Tocaia
ÚLTIMAS DA COLUNA "CELAMAR MAIONE"Índice da coluna "Celamar Maione"
21/05/2010 - 15h26 Rotina
11/05/2010 - 15h06 Sonhos
04/05/2010 - 13h12 Quem matou dona Shirley?
27/04/2010 - 07h45 Comportamento inadequado
22/04/2010 - 15h04 Bodas de prata
13/04/2010 - 15h28 O enxoval
· FALE CONOSCO · ANUNCIE AQUI · TERMOS DE USO ·
Copyright © 1998-2024, UbaWeb. Direitos Reservados.