Cinco horas da tarde de uma quarta-feira nublada. Ferreira está de saída, quando a secretária o chama: - Telefone para o senhor. É uma mulher. Diz que é urgente! Contrariado, pega o aparelho. - Sim... Ferreira. Quem fala? Do outro lado, a voz misteriosa debocha: - Sua esposa tem um amante. - E desliga o telefone antes de Ferreira responder. Ele sai do escritório intrigado. Liga o rádio enquanto dirige, para distrair-se e afastar os maus pensamentos. Quando chega em casa é recebido pela esposa com carinho. Para não aborrecê-la com desconfianças, não comenta sobre o trote. No dia seguinte, assim que entra no escritório, encontra a secretária preocupada. - A mulher do trote já ligou duas vezes. O que faço se ligar novamente? - Passa pra mim. Durante um mês, Ferreira recebe diariamente, a ligação da mulher misteriosa. Como se não bastasse, quando vai pra casa, encontra sempre um bilhete no pára-brisa do carro, escrito com letras de jornal: SUA MULHER TEM OUTRO. VOCÊ É CORNO. A dúvida instala-se como erva daninha no coração de Ferreira. Não pode ver a esposa com roupa nova que imagina: “Está se arrumando muito... Será que é para o amante? Quem será ele? Algum conhecido?” O estresse é tão grande, que quando Conceição avisa que a mulher misteriosa está na linha, Ferreira se descontrola e range os dentes de raiva: - FALA LOGO! QUEM É O AMANTE DE ISAURINHA? FALA?! A mulher desliga dando risadas. Conceição providencia um copo com água para acalmar Ferreira, prestes a ter uma convulsão: - Não agüento mais. Quem é essa desocupada? Vou enlouquecer! A dúvida me envenena. Com o peito ardendo e corroído pelo pavor da traição, no domingo, vai almoçar na casa dos pais. Enquanto a esposa vê televisão com a sogra, Ferreira desabafa com o pai e o irmão: - Acho que Isaurinha me trai. - Você tem faltado com sua esposa na cama? - NÃO. - Então porque acha isso? - pergunta o irmão curioso. Angustiado, fala dos trotes e dos bilhetes. Em seguida, chora como criança: - Será que Deus me castiga por causa da minha ex? Por causa de Anete? O irmão consola-o: - Você não queria mais Anete. Aconteceu o que aconteceu porque ela era uma fraca. - Às vezes acho que fui covarde e não mereço ser feliz... Penalizado, o pai tenta encontrar uma solução. - Por que não contrata um detetive? Você conhece Isaurinha muito pouco. Namoraram e casaram-se em quatro meses... - E se o detetive descobrir que ela tem outro? - Terá que tomar uma atitude de homem. Sem perceberem, Isaurinha ouve a conversa atrás da porta. Na segunda-feira, no escritório, depois de procurar pela internet, Ferreira contrata um detetive. - Quero todos os passos de Isaurinha. Até no banheiro. Os trotes continuam. A desconfiança martiriza-o. Em casa, não olha mais nos olhos de Isaurinha. Os dias tornam-se tormentosos. As noites, insones. Quando adormece, tem pesadelos com Isaurinha numa sauna esfumaçada, desfilando nua, com homens entrando em êxtase. No teto da sauna aparece o rosto de Anete sorrindo. Acorda assustado e confuso: “Não, não pode ser, o que faz Anete na sauna com Isaurinha?”, pensa angustiado. “Anete enforcou-se! Anete está morta!” O detetive segue Isaurinha durante um mês. - Sua mulher é virtuosa. Vai da casa para o trabalho e do trabalho para a casa. Uma vez por semana, visita o sanatório, onde faz trabalho voluntário. Ferreira duvida do detetive. Manda a secretária procurar outro investigador na internet. Conceição percebe o estado de debilidade do chefe, liga para Isaurinha e fala dos trotes. Meia hora depois, o telefone toca e é a voz misteriosa. Dessa vez, se identifica: - Lembra de mim? Sou eu, Anete, sua noiva! - Em seguida, dá uma risada satânica e desliga. Trêmulo e com os lábios arroxeados, Ferreira grita ao telefone: - ESSA SUICIDA LOUCA QUER SE VINGAR DE MIM! FANTASMA MAL-AMADO! E sai destruindo o que vê pela frente no escritório. Isaurinha chega no momento da confusão. Acompanhada de dois enfermeiros do sanatório, ela dá as ordens: - Podem carregá-lo. Se precisar, usem a força. Ferreira é internado. Uma semana depois, quando sai da cama, Isaurinha o leva para passear no jardim. De braços dados, ela fala debochadamente: - Vem amor, quero-lhe mostrar uma amiga que o espera aqui há mais de um ano... Ferreira aterroriza-se ao ver Anete com um vestido branco, comprido, cabelos desalinhados e falando sozinha. - O que Anete faz aqui? Ela não se enforcou? - Claro que não! Não está vendo? Quando você a abandonou na Igreja, ela foi encontrada vagando pelas ruas e a trouxeram pra cá. - E o que você tem a ver com Anete? - Anete nunca falou de mim? - Não?!?!! Que eu saiba você é minha esposa e me trouxe cá. - Eu sou Isa, amiga de infância da Anete. No início do namoro de vocês me mudei para Recife e... Ferreira não deixa Isaurinha terminar... Sai apavorado gritando pelos jardins do sanatório: - Não sou maluco! Socorro, não sou louco! Me tirem daqui! Isaurinha senta no gramado ao lado de Anete, penteia-lhe os cabelos e ri psicoticamente.
Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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