Fonseca saiu da loja de lingeries com um sorriso de felicidade no rosto. Colocou o embrulho na pasta e pegou o metrô de volta pra casa. Quando chegou, a esposa, Adelaide, assistia novela na sala. Fonseca deu boa noite, jogou a pasta no sofá e foi direto para o banheiro: - Caramba, deixa eu correr que tô apertado! Logo depois, a campainha tocou e era o entregador da farmácia. O rapaz não tinha troco. Adelaide gritou da sala: - Fonseca, tem dinheiro trocado? - Pega na pasta. Adelaide pagou o remédio e viu o presente dentro da pasta. Quando Fonseca chegou na sala, ela estava com o embrulho na mão. - Quê presente é esse? Fonseca ficou sem ação. Coçou a cabeça. Disfarçou e respondeu sem jeito: - Pra você, ué! - Pra mim? Mas não é meu aniversário nem nada. Aliás, em 15 anos de casamento você nunca se lembrou do meu aniversário. - É que eu passei por uma loja de roupa íntima que tava liquidando então resolvi fazer uma surpresa. - Posso abrir? Tem certeza? - Tenho. Quando Adelaide abriu o presente, deu um gritinho de espanto: - Um baby-doll roxo? Que cafonice! Esse troço não cabe em mim! - Como não cabe? A vendedora disse que era tamanho grande. - Grande? Olha aqui Fonseca, olha o tamanho, P... de pequeno. Tá cego? Esse baby-doll não é pra mim. Pra quem você comprou esse troço? - Juro, é seu. Queria fazer surpresa. Pra quem mais eu ia comprar? - Mas P? E roxo? Parece coisa de defunto. - Vai ver que na hora que a vendedora foi embrulhar pra presente, eu me distraí. Aí ela confundiu os números. Me dá, amanhã eu passo na loja e troco. Adelaide fuzilou o marido com os olhos. Ele não sabia mais o que dizer. Ela ficou vermelha e apertou as bochechas. Quando fazia assim, Fonseca sabia, a esposa começava a babar, ficava histérica e cheia de manchas pelo corpo. - Sei. Se distraiu com alguma bunda andante que passou na hora. - Quê isso, Adelaide?! Que bunda?! - Não se faça de ingênuo, que de ingênuo você não tem nada. Sem vergonha... cínico... faz meses que você não me encosta um dedo e agora vem com essa história de que comprou esse troço de defunto pra mim!? Irritada, começou a jogar o que via pela frente em cima dele. Voaram almofadas, livros, bibelôs e quase foi a televisão. Fonseca saiu correndo e se trancou no quarto do computador. As brigas e discussões eram rotina na vida do casal e aquele baby-doll com número trocado foi apenas mais um motivo para a confusão começar. Quando Adelaide se acalmou, Fonseca saiu do quarto na ponta dos pés. Faminto, caminhava em direção à cozinha, quando ouviu Adelaide gritar do quarto deles: - Joguei aquele troço no lixo. Você pensa que me engana! Pode pegar aquele despacho e dar para a sua piranha. Fonseca sabia que nessas horas de animosidade, o melhor que tinha a fazer era se calar. Foi até a cozinha, esquentou a comida que a empregada deixou no microondas e jantou quietinho. Quando se deitou, Adelaide já dormia um sono profundo. “Certamente” – ele pensou – “se encheu de tranqüilizante”. Ficou na cama meia hora. Só levantou e saiu do quarto quando teve certeza que Adelaide ferrara no sono. Na ponta dos pés, foi até o quartinho de empregada. Jandira estava deitada quando sentiu duas mãos percorrendo-lhe o corpo e tirando-lhe a coberta. - Deixa eu ver como ficou o baby-doll, minha formosura! Jandira levantou-se e desfilou para Fonseca, fazendo pose de stripper. - Gostou, Fonsequinha? - Vem cá minha delícia, vem tortura da minha vida. Caminho de perdição! Passava das 4 quando Fonseca voltou para a cama. Dormiu até às 7 e acordou bem disposto. Depois do banho, tomou um café especial feito por Jandira. - Fiz tudo o que você gosta, meu patrãozinho gostoso. - Você é maravilhosa, se eu não fosse casado, casava com você. Assim que ele saiu para trabalhar, Adelaide gritou do quarto: - Jandira, vem cá, agora! Já! - Sim, senhora. O que houve? - Não se faça de sonsa, me diga: o baby-doll era pra você? - Era sim, senhora. - Gostou? - Adorei, seu Fonseca é um homem muito bom e... - Poupe-me os detalhes. Toma trinta. Só tenho isso. Sabe que não ganho muito. Esse dinheiro compra minha paz, pelo menos na cama. - A senhora sabe que sempre que precisar... - Agora vai. Vai. Estou me arrumando. Quanto puder, aumento seu salário. Adelaide levou uma hora para se arrumar. Escolheu os acessórios cuidadosamente, colocou o melhor perfume, caprichou na maquiagem e saiu para trabalhar cantarolando.
Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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