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COLUNISTA
Celamar Maione
23/04/2009 - 07h08
O presente
 
 

Fonseca saiu da loja de lingeries com um sorriso de felicidade no rosto. Colocou o embrulho na pasta e pegou o metrô de volta pra casa. Quando chegou, a esposa, Adelaide, assistia novela na sala. Fonseca deu boa noite, jogou a pasta no sofá e foi direto para o banheiro:
- Caramba, deixa eu correr que tô apertado!

Logo depois, a campainha tocou e era o entregador da farmácia. O rapaz não tinha troco. Adelaide gritou da sala:
- Fonseca, tem dinheiro trocado?
- Pega na pasta.

Adelaide pagou o remédio e viu o presente dentro da pasta. Quando Fonseca chegou na sala, ela estava com o embrulho na mão.
- Quê presente é esse?

Fonseca ficou sem ação. Coçou a cabeça. Disfarçou e respondeu sem jeito:
- Pra você, ué!
- Pra mim? Mas não é meu aniversário nem nada. Aliás, em 15 anos de casamento você nunca se lembrou do meu aniversário.
- É que eu passei por uma loja de roupa íntima que tava liquidando então resolvi fazer uma surpresa.
- Posso abrir? Tem certeza?
- Tenho.

Quando Adelaide abriu o presente, deu um gritinho de espanto:
- Um baby-doll roxo? Que cafonice! Esse troço não cabe em mim!
- Como não cabe? A vendedora disse que era tamanho grande.
- Grande? Olha aqui Fonseca, olha o tamanho, P... de pequeno. Tá cego? Esse baby-doll não é pra mim. Pra quem você comprou esse troço?
- Juro, é seu. Queria fazer surpresa. Pra quem mais eu ia comprar?
- Mas P? E roxo? Parece coisa de defunto.
- Vai ver que na hora que a vendedora foi embrulhar pra presente, eu me distraí. Aí ela confundiu os números. Me dá, amanhã eu passo na loja e troco.

Adelaide fuzilou o marido com os olhos. Ele não sabia mais o que dizer. Ela ficou vermelha e apertou as bochechas. Quando fazia assim, Fonseca sabia, a esposa começava a babar, ficava histérica e cheia de manchas pelo corpo.
- Sei. Se distraiu com alguma bunda andante que passou na hora.
- Quê isso, Adelaide?! Que bunda?!
- Não se faça de ingênuo, que de ingênuo você não tem nada. Sem vergonha... cínico... faz meses que você não me encosta um dedo e agora vem com essa história de que comprou esse troço de defunto pra mim!?

Irritada, começou a jogar o que via pela frente em cima dele. Voaram almofadas, livros, bibelôs e quase foi a televisão. Fonseca saiu correndo e se trancou no quarto do computador. As brigas e discussões eram rotina na vida do casal e aquele baby-doll com número trocado foi apenas mais um motivo para a confusão começar. Quando Adelaide se acalmou, Fonseca saiu do quarto na ponta dos pés. Faminto, caminhava em direção à cozinha, quando ouviu Adelaide gritar do quarto deles:
- Joguei aquele troço no lixo. Você pensa que me engana! Pode pegar aquele despacho e dar para a sua piranha.

Fonseca sabia que nessas horas de animosidade, o melhor que tinha a fazer era se calar. Foi até a cozinha, esquentou a comida que a empregada deixou no microondas e jantou quietinho. Quando se deitou, Adelaide já dormia um sono profundo. “Certamente” – ele pensou – “se encheu de tranqüilizante”. Ficou na cama meia hora. Só levantou e saiu do quarto quando teve certeza que Adelaide ferrara no sono. Na ponta dos pés, foi até o quartinho de empregada. Jandira estava deitada quando sentiu duas mãos percorrendo-lhe o corpo e tirando-lhe a coberta.
- Deixa eu ver como ficou o baby-doll, minha formosura!

Jandira levantou-se e desfilou para Fonseca, fazendo pose de stripper.
- Gostou, Fonsequinha?
- Vem cá minha delícia, vem tortura da minha vida. Caminho de perdição!

Passava das 4 quando Fonseca voltou para a cama. Dormiu até às 7 e acordou bem disposto. Depois do banho, tomou um café especial feito por Jandira.
- Fiz tudo o que você gosta, meu patrãozinho gostoso.
- Você é maravilhosa, se eu não fosse casado, casava com você.

Assim que ele saiu para trabalhar, Adelaide gritou do quarto:
- Jandira, vem cá, agora! Já!
- Sim, senhora. O que houve?
- Não se faça de sonsa, me diga: o baby-doll era pra você?
- Era sim, senhora.
- Gostou?
- Adorei, seu Fonseca é um homem muito bom e...
- Poupe-me os detalhes. Toma trinta. Só tenho isso. Sabe que não ganho muito. Esse dinheiro compra minha paz, pelo menos na cama.
- A senhora sabe que sempre que precisar...
- Agora vai. Vai. Estou me arrumando. Quanto puder, aumento seu salário.

Adelaide levou uma hora para se arrumar. Escolheu os acessórios cuidadosamente, colocou o melhor perfume, caprichou na maquiagem e saiu para trabalhar cantarolando.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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