Neli folheava uma revista no sofá da sala, saboreando um pedaço de torta de brigadeiro, quando a irmã chegou com a novidade. - Vou casar! - Com quem? - Só pode ser com o Vicente. - Duvido. - Duvida? Por quê? Sabe de alguma coisa que eu não sei? - Duvido. - Existe um motivo para você duvidar. Qual é? Conta. - Duvido. Nádia se irritou e começou a sacudir Neli pedindo uma explicação. Para deixar a irmã mais irada, ela respondia aos gritos compulsivamente: - Duvido. Duvido. Duvido. As duas iniciaram uma discussão interrompida pela mãe. - O que é isso meninas? Que gritaria é essa? - A culpa é da Neli. Ela está de deboche comigo – gritou Nádia, chorosa. - Não quero saber de quem é a culpa. Acabem com isso, JÁ! Nádia se trancou no quarto, confusa. As palavras de Neli caíram-lhe na cabeça como um tijolo. A dúvida plantou-se no seu frágil e inseguro coração e ela se perguntou, apertando os lábios e franzindo a testa: “O que a irmã sabia, que ela não sabia?” Enquanto Nádia se martiriza e rola na cama de um lado para o outro, no quarto ao lado, Neli apaga a luz e adormece com um sorriso no rosto. Durante o café da manhã, não se falaram. Para provocar a irmã, antes de se fechar no banheiro, Neli gritou: - Duvido. Duvido muito que saia casamento! E caiu na gargalhada. No fundo, tinha raiva de Nádia. Culpava-a pela morte de Rodrigo, o homem com quem um dia, pretendia se casar. Rodrigo morreu pilotando a moto que comprara um mês antes de sua trágica morte. Na noite do acidente, o rapaz teve uma discussão com Nádia, que o acusou, na frente de Neli, de beijar outra mulher. A morte prematura do noivo deixou cicatrizes profundas na vida e na alma de Neli. Aconselhada pelas lembranças mórbidas, entrou em depressão e afogou a tristeza nos doces e chocolates. Engordou 30 quilos. Agora, passa os dias em frente à televisão ou lendo revistas de fofoca e comendo avidamente pedaços de torta de brigadeiro. Naquela manhã, ao escutar as gargalhadas de Neli, Nádia saiu de casa disposta a ter uma conversa séria com Vicente. Chegou ansiosa no trabalho e ligou para o futuro esposo. - Dá para almoçar comigo hoje? - Aconteceu alguma coisa? - Dá ou não dá? - Tá, eu vou. Durante o almoço, Nádia olhava Vicente de soslaio. Ele estranhou. - Pode me dizer o que está acontecendo? - Quero saber o que você me esconde. - Não entendi?! - Vamos, diz a verdade. – gritou, batendo na mesa. - Mas quê verdade? Não tô entendendo. - Não seja sonso. Abre o jogo. Vicente não reconheceu a mulher serena do dia anterior. Discutiram. Ele voltou para o trabalho aborrecido. Quando Nádia chegou em casa, Neli perguntou, curiosa: - E aí, descobriu? - Descobri o quê? - O segredo do Vicente. - Qual segredo? Fala Neli, o que você sabe? - Não vai haver casamento. Só digo isso. Confusa e atormentada pela maledicência da irmã, Nádia não deu trégua ao futuro esposo. Vicente passou a ser vigiado compulsivamente. A noiva aprontava escândalos em cascata. Não podia vê-lo conversando com uma mulher que a confusão se formava. Quase fez Vicente perder o emprego ao discutir enciumada com uma cliente importante da loja. O celular do noivo virou alvo de sua cobiça ciumenta. Esperava-o chegar da rua, para crivá-lo de perguntas. Vicente não entendeu a mudança de Nádia, que de carinhosa, transformara-se numa mulher ciumenta e tirana. Chegou a desabafar suas angústias com Neli: - Sua irmã era tão doce. Agora virou uma mulher rabugenta e desconfiada. Já me aprontou vários escândalos. Neli aconselhou: - Toma cuidado. Ela não é essa criatura doce que aparenta. É tudo fachada. Com vergonha dos escândalos e com medo de novos constrangimentos, terminou o romance. Nádia gritou, esperneou e ameaçou. Não surtiu efeito. Vicente sentiu que tirava um peso das costas. Chegou em casa e fez as malas. Se encarregou de tudo. Pediu transferência no trabalho e embarcaria no dia seguinte, para outro estado. Nádia chegou em casa aos prantos e ameaçando tomar veneno. Neli esperava-a no sofá: - O que houve? - O Vicente terminou comigo. - Eu não disse? E olhou para a irmã com ares de sabedoria. Nádia sentiu-se a pior das mulheres e procurou consolo no colo da irmã. Neli deu um sorriso vitorioso e ofereceu-lhe, satisfeita, um pedaço de torta de brigadeiro.
Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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