Sábado chuvoso. Sonolenta, Thaís acordou, se espreguiçou e olhou o relógio. Dez horas. Dia de folga. Virou para o lado e dormiu mais um pouco. O quarto escuro e o barulho da chuva deram vontade de ficar na cama até mais tarde. Levantou depois do meio-dia, tomou café, leu os jornais, verificou os e-mails e preparou uma salada para o almoço. Três da tarde, abriu a janela do quarto e percebeu que o apartamento em frente não estava mais vago. Imaginou como seriam os novos vizinhos. Recém-casados? Mãe e filha? Idosos? E se fosse um casal com três crianças barulhentas? Sentiu uma pontada na cabeça ao imaginar um garoto de oito anos, gritando e acordando a vizinhança, tocando uma corneta. Lia uma revista na sala, quando no final da tarde a chuva apertou. Com medo de cair água dentro do quarto, foi fechar a janela e viu, pela primeira vez, o novo vizinho, andando pelo apartamento, de sunga. Pegou o binóculo para olhar melhor. O homem arrumava as roupas dentro do armário. Thaís ficou por trás das cortina: "Um Deus Grego" - pensou empolgada. Desceu para comprar pão e passou pela portaria do prédio do novo vizinho. Viu o porteiro e aproveitou: - Boa noite, seu Argemiro. Que chuva, hein? - Chuva é coisa boa! Molha as plantinhas. Tava muito quente. - Temos vizinho novo no prédio, né? - Sim, senhora. E o apartamento dele fica de frente para o seu. - Eu sei. É um casal com filhos ou sem filhos? - É um solteirão. Deve ter uns 36 anos. É piloto. Viaja muito. Satisfeita com a resposta, se despediu, sorridente. Assim que voltou para o apartamento, ligou para a amiga Anelise. - Você precisa ver o homem lindo que veio morar na janela em frente a minha! - Solteiro? - Solteiríssimo. Acho que vou passar o dia na janela. - E se for gay? - Não tem a menor pinta. É piloto. Já me informei com o porteiro. - Então amanhã me espera. Quero conhecer seu novo vizinho. - Combinado. Mas, olha, ele já tem dona. Eu! Antes de adormecer, Thais imaginou que estava no apartamento em frente, escutando música e bebendo vinho. Acordou de madrugada para ir ao banheiro e aproveitou para olhar pela janela. Lá estava o vizinho dormindo de sunga, esparramado na cama de casal, com as cortinas abertas. No dia seguinte Anelise chegou para almoçar a uma da tarde. - E aí, cadê o gostosão? Foram até a janela. O vizinho estava de short, sem camisa, sentado no sofá e lendo jornal. Quando percebeu que era observado, levantou e se debruçou na janela. - Boa tarde, sou o novo vizinho! Tudo bem com vocês? As duas estremeceram de emoção. Refeitas do impacto, se apresentaram. Frederico conversou um pouco e depois, educado, pediu licença, avisando que iria arrumar o restante da mudança. Anelise brincou: - Se quiser ajuda, pode me chamar! Ele agradeceu e saiu da janela. Thaís não gostou. - Eu chamei você pra vir aqui para almoçar e não para paquerar meu vizinho. - Por acaso ele é propriedade sua? Almoçaram em silêncio. Thaís saiu da sala para lavar a louça e deixou a amiga sozinha. Quando voltou, viu Anelise sair correndo da janela. Thais desconfiou. Uma hora depois, Anelise se despediu, agradecendo pelo arroz de camarão. Durante a semana Thaís pouco viu Frederico. Quando se encontravam na janela, ele dava um tchauzinho, mas não puxava conversa. A amiga se mostrou esquiva e ocupada quando ela ligava. No sábado descobriu o motivo, quando viu Anelise e o vizinho aos amassos no apartamento dele. Teve vontade de gritar. Sentiu-se enganada. "Que amiga da onça! Rápida como um coelho e falsa como uma cobra." Passou a noite deprimida e chorosa, e jurou que se vingaria. Vingança planejada, ligou para Anelise, convidando-a para comer um bobó de camarão na sexta-feira. Convite aceito, Thais escolheu uma garota de programa pela internet, marcou um encontro para o mesmo dia e hora e deu o endereço do vizinho. Fez uma única exigência: a mulher teria que deixar a janela aberta pois o cliente era um tarado exibicionista. Nove em ponto de sexta-feira, Anelise chegou. Conversaram amenidades. Thaís olhou o relógio e aparentando naturalidade, comentou: - Você não sabe, menina, mas esse vizinho Frederico, é a maior chave de cadeia. Sentiu que Anelise ficou interessada. Maliciosa, Thaís puxou a amiga pelo braço: - Vamos até a janela ver se ele está em casa. - Espera, antes preciso falar com você. - Depois você fala. Vamos lá! Tenho uma fofoca boa para lhe contar sobre ele. Puxou a amiga. Quando chegaram no quarto, Thaís apagou a luz e deixou apenas um pedaço da janela aberta. - Vem ver, o cara está com uma mulher no apartamento! Thaís tocou no braço de Anelise e percebeu que ela suava frio. - Está passando mal? - Não, não é nada. - disfarçou. - Vamos sair da janela. Thaís envenenou: - O Frederico é taradão! Todo dia tem uma mulher diferente na cama dele. Maior cafajeste. E só gosta de piranha! - É? - É. As aparências enganam. Muito promíscuo. Ainda bem que não fui pra cama com ele! Bem que ele tentou. - É? - E tem mais. - O quêeeee? - A vizinha do quinto andar já transou com ele. Ela pegou gonorréia, acredita? Anelise empalideceu. Correu para o banheiro, se ajoelhou no chão, colocou a cabeça dentro do vaso e vomitou. Thaís deu um risinho e falou com voz sonsa: - Amiga, acho melhor suspender o jantar. Você está passando mal!
Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
|