Segunda-feira, nove da manhã! Neves desceu do metrô e seguia em direção ao consultório na Senador Dantas, quando a chuva apertou. Apressou o passo. Uma mulher morena, alta, se aproximou, lhe oferecendo abrigo no guarda-chuva. Aceitou. Entraram no mesmo prédio. A morena fechou o guarda-chuva. Livre da tempestade repentina, Neves observou melhor seu anjo de guarda. Corpo esbelto, longos cabelos lisos, olhos verdes e lábios carnudos. “Que mulher linda. Parece modelo de capa de revista”. Saiu do transe: - Não sei como posso lhe agradecer. Muito obrigado. Se não fosse a sua gentileza, acho que eu ficaria ensopado. - Não custou nada. - A senhora trabalha aqui no prédio? - Não. Na verdade vou para uma entrevista de emprego. E o senhor? - Tire o senhor, por favor. Eu sou médico. Urologista. - É uma profissão muito bonita. A medicina é um sacerdócio. - Gosto muito do que faço. O elevador chegou. - Por favor, a senhora primeiro. - Senhora não, você – brincou a morena com um sorriso de canto de boca. Subiram. No meio do caminho a morena soltou um gritinho sensual. Neves levou um susto. - Aconteceu alguma coisa? - Olha só! – disse a morena com voz de sabiá apontando para a perna. - Estou indo para uma entrevista de emprego e minha meia rasgou. E agora? - Não dá para notar - respondeu Neves, sem graça com aquele par de coxas à mostra. - Não posso chegar na entrevista com as meias rasgadas. Pode arranhar minha imagem. Seu consultório é em qual andar? - Chegamos. É aqui. Décimo oitavo. - Desculpe, eu poderia tirar a meia no seu consultório? Pega mal aqui no corredor. As câmeras podem me filmar... - Claro. Acompanhe-me por favor. Constrangido, Neves abriu a porta do consultório e deixou a morena entrar primeiro. Pensou na esposa. Se Marizete o visse com aquela morena, criaria um caso. A esposa era muito ciumenta. Neves trancou a porta, enquanto a morena observava tudo: - Seu consultório é confortável! Neves deu um riso sem graça. Era tímido. Casou com a segunda namorada, aos 22 anos, viveu para a medicina e a família e só agora, aos 49, se deu conta de que só teve duas mulheres na vida. Quando a morena levantou o vestido e começou a tirar a meia calça na frente dele, Neves engoliu em seco e se abanou nervoso. “Ai se a Marizete tivesse aqui“ - pensou. Passando a língua nos lábios e rodopiando o corpo a morena sorriu. - Desculpe tirar a meia na sua frente, é que o senhor é médico e acho que não tem problema, - Tire o senhor, por favor. - Desculpe..., você é médico, acho que não tem problema. - Fique à vontade. - Vai atender algum paciente agora? - Deve estar chegando. Mas se quiser, pode ficar. - Obrigada. Está na hora da minha entrevista. Qual é o seu nome? - Neves e o seu? - Regina. Ela pegou o celular e anotou o telefone de Neves. Depois ligou para o celular dele. - Meu nome está no seu celular. Qualquer coisa me liga, tá? Saiu piscando os olhinhos de forma sensual. Neves atendeu os pacientes no automático. Só conseguia pensar nas pernas da morena. Nunca havia traído Marizete. “Quem sabe se ele e a morena ...?! - Não, não podia nem pensar. Era areia demais para o seu caminhãozinho.” - sonhou, suspirando profundamente. Ao chegar em casa encontrou Marizete com uma camisola velhinha, deitada no sofá, vendo televisão. O coração apertou. Jantou pensando na morena. “Será que teria coragem de ligar pra ela?” Nunca havia traído a esposa. Só que a vida estava muito sem graça. Era de casa para o consultório, do consultório pra casa. Marizete era uma esposa fria na cama. Ia fazer cinqüenta anos, precisava de um estímulo, uma injeção de ânimo. Passou a semana pensando na morena. Pegou no celular, mas não teve coragem de ligar. E se ela não lembrasse dele? E se eles se apaixonassem? Teria coragem de terminar o casamento? A imaginação de Neves voava. Tinha sonhos eróticos. A cena da mulher tirando a meia não lhe saía da cabeça. Aquelas pernas roliças e macias. A virada de cintura sensual. Era uma grande tentação do demônio, até para homens fiéis. Dormiu e sonhou com a morena. Os dois estavam nus, numa enorme cama de casal, com lençóis vermelhos de cetim. Ao redor do quarto, velas acesas, cortinas transparentes e uma bandeja de frutas. A morena colocava morangos em sua boca e cobria seus olhos com uma meia-calça. Acordou molhado. Não podia mais adiar o encontro. Decidiu ligar na sexta-feira. “Ou tudo ou nada” - Ligou. Marcaram para sábado, meio-dia, no consultório. Criou expectativa. À noite não conseguiu dormir direito. Assustava-se com o ronco de Marizete. Teve pesadelo. As pernas da morena se transformavam em duas cobras enormes. Acordou suado. Foi até a cozinha e bebeu um copo d’água. Adormeceu. Pela manhã tomou um banho de meia hora. Passou perfume francês. Saiu avisando a Marizete que ficaria no consultório até o final da tarde. Expectativa. Quase receita um remédio errado. Onze e meia. Despediu-se do último cliente e arrumou o consultório. Acendeu incenso. Molhou o cabelo. A campainha. Abriu a porta. A morena estava de mãos dadas com um homem alto e forte. Não entendeu. “O que significava aquilo?” Teve a resposta: - Doutor Neves, boa tarde! Tomei a liberdade e trouxe meu marido. Ele está com problemas para urinar. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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