Eu caminhava pelo calçadão de Copacabana tomando ar fresco. A noite já se fora e o dia não chegara. De repente, uma freada brusca. Faróis me cegam os olhos. O corpo de um homem é jogado na calçada. O carro parte. Abaixo-me e olho para o homem caído. Olhos fechados, lábios arroxeados. Sangue nas minhas mãos. Meu corpo desliza para perto. Levanto-me e sinto alguém segurando minhas mãos com força. Olho pra trás, é um homem armado. Aparece outro. Mais outro. Gritam entre si: - Ela atirou. Não consegui impedir. - Ele tá morto? – perguntei. - Qual é? Você que matou e agora pergunta pra mim? Quem é ele? - Assassina. Já chamaram a polícia? Tentei me desvencilhar do desconhecido. Ele me segurou com força. - Me solta. Preciso ir. - Você mata o cara, em pleno calçadão de Copacabana, de madrugada, e acha que vai se mandar? - Não matei ninguém! - Assassina. - A polícia chegou! É ela. Tá aqui. A pequena multidão aponta pra mim com dedos sedentos. Dois homens descem da viatura e caminham na minha direção. Querem saber o nome do morto. Não sei. Não conheço. Eles insistem. O homem que segurou meu braço entrega a pistola para o policial de bigode. Eles insistem para saber meu nome. Não sei meu nome. Um policial me empurra pra dentro da viatura. Na delegacia, fui interrogada. Eu não sabia responder. Minha bolsa sumira. O delegado chamou o carcereiro: - Coloca a piranha na cela! Não sabe que matou o cara! Existe isso, Ananias? - Aqui na delegacia tá cheio de gente inocente. - Não matei ninguém. Preciso de um advogado. - Seu advogado já vai chegar – falou o delegado com um riso debochado. O carcereiro me jogou numa cela suja, com privada no canto e um banco de cimento. “Que horas devem ser?” Não tinha comido nada. Meu estômago roncava. Deitei no cimento encolhida e comecei a chorar. “De quem era aquele corpo na praia?” Fechei os olhos. Cansada, adormeci e tive um pesadelo. Não queria ir a festa. Vânia insistiu. Eu não gostava de festas. Música alta. Bebida. Sorriso falso e fumaça de cigarro. Contrariada, acompanhei minha amiga. Assim que chegamos, vi Adailton sentado na varanda com um copo de cerveja. Sozinho. Já o conhecia de vista de outras festas. Meia hora depois Vânia foi dançar e como eu não gosto de dançar, me aproximei de Adailton. Nos apresentamos. Ele me recebeu com um sorriso acolhedor. Também não gostava de festas. Saímos sem ninguém perceber. Entramos no carro dele e fomos passear pela zona sul. Adailton parou o carro perto da praia e conversamos até o dia clarear. Sabe quando acontece uma química? Ele me deixou em casa, pegou o número do meu celular e ficou de me ligar mais tarde para sairmos. Nossa primeira noite foi perfeita. O encaixe de nossos corpos, as velas acesas, o vinho, a comida. Tudo aconteceu rápido demais. Mágico. Com seis meses de relacionamento ele me pediu em casamento. Planos para o futuro? Sonhar nem sempre é bom. Ainda mais quando se acorda do sonho com um pesadelo tocando a campainha. Sábado de manhã, acordei com o som estridente da campainha: - O que foi? - Precisamos ter uma conversa urgente – Adailton resmungou agitado. - Fala, o que aconteceu! Você está me deixando nervosa. - A Claudia. - O que tem a Claudia? Quem é Claudia? Claudia era uma ex-namorada. “Ela voltou. Ainda a amo” – Simples? Não! Como? Ele me usou para chegar até a ex novamente. Isso! Entrei em desespero. Gritei: “E os convites de casamento?” Com uma calma sádica, argumentou: “Melhor assim. Antes agora do que depois do casamento. Entenda. Não me leve a mal”. Liguei pra Vânia atormentada. Minha cabeça girava. Minha boca amargava. Parecia ter veneno correndo no meu corpo ao invés de sangue. Tive convulsões. Vânia me socorreu. Queria matar Adailton. Precisava. Como um homem pisa nos sonhos de uma mulher e não percebe? Como é fácil destruir. Desestabilizar. Existem situações que só a vingança para trazer conforto. Vingar faz bem. Quem disse que não? Se ele não fosse meu, não seria de mais ninguém. Esperaria o momento certo. No sábado seguinte fui à festa de um conhecido que morava em Copa. Ele estava lá. Acompanhado. Quando eu o vi sorrindo, ao lado de outra, meu sangue ferveu. “Como ele podia ter coragem?!” Uma semana atrás íamos casar e agora lá estava ele, senhor de si, trocando carícias com a ex, diante dos meus olhos. Na frente de nossos amigos. Vânia me segurou para eu não aprontar. Meus amigos me olhavam com pena. Passei a ser a coitadinha. A infeliz. Bebi demais para suportar. Detesto beber. De madrugada, ele saiu sozinho do apartamento. Ia até o carro pegar uns CDs. Entramos juntos no elevador. Discutimos. Precisávamos conversar. Ele entrou no carro. Para se ver livre do escândalo, abriu a porta do carona e eu entrei. Ele saiu com o carro pela orla tentando me acalmar. Eu falava e ele calado. A bebida me enjoara. Tive um leve mal-estar. Não voltaria atrás. Era sua última palavra. Abri o porta-luvas. Sabia da pistola. Ela estava ali, sorrindo pra mim. Um riso sádico. Saí para o calçadão apontando a pistola para a minha cabeça. Adailton saiu do carro e tentou impedir. Eu mirei contra ele. Atirei. Acordei com o carcereiro me chamando. Meus pais estavam na delegacia com um advogado. Pais? Advogado? Seria o pesadelo real? Não lembro. Não consigo. Quem sou eu? Com o corpo dolorido e garganta seca, me levantei do banco de ciumento, ajeitei minha roupa e acompanhei o carcereiro. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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