Eram quase nove da noite quando saí do apartamento de Heloísa. Entrei no carro e segui pra casa. Sou um marido quase dedicado e um honrado pai de família. Casado com uma linda mulher, bem-sucedido profissionalmente, dois filhos adolescentes e uma amante dez anos mais nova. Meus amigos acreditam que minha vida é perfeita. Vivo de aparência. Não sou feliz. Sinto uma forte atração por homens, porém, luto contra o meu desejo desde adolescente. Casei com Denise com 23 anos. Tudo para fugir da tentação de amar alguém do mesmo sexo. Com um ano de casado e esposa grávida, me apaixonei por um colega da faculdade. Fui correspondido. Fugi. Troquei o Direito pela Administração. Nunca mais nos vimos. Vivo em conflito entre a razão e o tesão. Penso em homens quando estou na cama com uma mulher. Ás vezes tenho ânsia de vômito. Quando me imagino transando com um homem, vem o prazer. No banheiro me masturbo três vezes ao dia, olhando foto de homens pelados. Quase um ritual. Cheguei em casa quase dez da noite. Denise ligou várias vezes para o celular. Antes de entrar na garagem, olhei para o apartamento e a luz da sala ainda estava acesa. Estacionei o carro e subi pronto para ouvir as lamúrias caseiras. Assim que coloquei os pés na sala, Denise começou a se lamentar. Sem fome, empurrei um sanduíche. Eu mastigava e ouvia reclamação. Mulher fala demais. Homens são mais discretos. Falamos menos e ouvimos mais. Gostamos das mesmas coisas. Futebol. Cerveja. Carro. Sexo. Sentimos prazer com os olhos. As mulheres são chatas e pegajosas. Adoram discutir relação. Não quero mais brigar contra minhas fantasias. Cansei. Vou experimentar um homem. Quem sabe amanhã depois do trabalho? Sonho com um mundo masculino. Deitei cedo para me livrar da língua ferina de Denise. Decidi. Danem-se as convenções. Preciso me livrar do vazio. Preciso me realizar sexualmente. Antes de sair para o trabalho, avisei que chegaria mais tarde em casa. Reunião de negócios. Já planejava uma aventura. Fim de expediente. Peguei o carro e segui em direção a uma sauna gay. Entrei. Minha boca encheu d’ água. Minhas pupilas latejaram de curiosidade. Tensão. Frio no estômago. Recebi a chave de um armário. Tomei um banho e coloquei uma toalha na cintura. Entrei na sauna seca. O cheiro de eucalipto me envolveu e relaxou. Deixei o pudor de lado. Admirava com os olhos famintos meus futuros parceiros sexuais. Altos. Baixos. Gordos. Magros. Alguns conversavam descontraídos, outros, estavam sombrios num canto. Quem sabe não viviam o mesmo conflito? Aos poucos fiquei à vontade. Um moreno magro de rosto ossudo me chamou a atenção. Ele entrou sozinho, tirou a toalha, se esticou no banco e deitou olhando para o teto, contemplativo. Observei-o durante dez minutos. Tive uma imensa sensação de prazer na boca do estômago. Queria puxar conversa. Amarelei. Saí da sauna calado. Acertava as contas quando vi passar um vizinho abraçado com um paquera. Escondi o rosto para ele não me reconhecer. Rogério é o nome dele. Casado. Quatro filhos. Cheguei em casa meia-noite. Denise dormia. Meus pensamento se misturavam. Eu não era eu. Você já teve sensação parecida? Muita aventura para um dia só. Chega da mesmice de sempre. Gostei. Não vou negar. Dormi pensando no homem de rosto ossudo. “Será que irei encontrá-lo novamente?” Uma semana depois voltei na sauna. Ele estava lá. Assim que entrei, o homem de rosto ossudo entrou atrás. Coincidência? Nos apresentamos. Ele, trinta anos, assumido sexualmente. Procura um amor definitivo. Cansado de casinhos sem importância. Contei minha história. Ficou em silêncio e me olhou com virilidade. Antes de ir embora, me deu o número do celular. Eu vestia a camisa quando ele passou por mim e acariciou minha nuca. Durante uma semana fiquei na dúvida. “Ligo ou não ligo?”. Tomei coragem. Marcamos um chope. Terminei com Helô. Ela chorou e me agrediu. Reação típica de mulheres. Internamente culpei-a por ser incapaz de livrar-me do meu desejo por homens. Chega de mulheres na minha vida. Melhor arriscar o casamento por sexo de qualidade. Heloísa estava longe de ser uma grande amante. O encontro foi num bar gay. O tempo passou rápido. Nos despedimos com um beijo na boca. O primeiro. Combinamos novo encontro. Passei dias de tensão e desejo. Só pensava em nós dois. Nosso segundo encontro foi no mesmo bar. Tomamos um drink. Ele me chamou pra conhecer o apartamento dele. Minha vida tomou novo rumo. Quarenta anos para me realizar sexualmente pela primeira vez. Em casa a situação piorou. Recusei-me a fazer sexo com Denise. Ela me acusou de ter outra. Outra? Quase contei a verdade. Passei a ser um marido ausente. Não me interessava pelos problemas de casa e nem dava atenção aos meus filhos. Eu me envolvia cada vez mais com meu amante e pressionava Denise para pedir a separação. Acordei do torpor quando meu amante me colocou contra a parede e pediu para eu escolher entre ele e a minha família. A pressão social falou mais alto. Qual seria a reação dos meus filhos? E meus pais? Família. Natal. Viagem de férias. Não, o preço a pagar seria insuportável. Sumi da vida do moreno ossudo. Continuo casado com Denise. As reclamações são as mesmas. Já estou acostumado. Não sou mais o mesmo de antes. Mudei. O vazio não me persegue mais. A cada semana, um novo caso. Melhor assim. Conheço outros corpos. Outras bocas. E mantenho minha família intacta. A covardia dá segurança. Entrei no banheiro e vi um batom de Denise em cima da pia. Fiquei com vontade de experimentar. Loucura. Viver é aventurar-se diariamente. Mas só até onde dá pé. Pra quê arriscar? Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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