Sales jantava na sala com o filho, quando Maria Isabel passou com uma mala e a chave de casa na mão. O marido olhou curioso e perguntou: -Ei, psiu, vai aonde com essa mala? - Vou morar com a minha mãe. - Quê? - Não se finja de surdo. Isso mesmo que você ouviu. - Não acha que está esquecendo alguma coisa? - O quê? O resto das roupas? Se quiser, pode dar para a empregada. - Não estou falando de roupas, estou falando do seu filho. - O que tem ele? - Vai embora de casa e não vai levar o Washington? O menino franzino, de dez anos, jantava e olhava para pai e mãe, na expectativa. - Não. Ele fica com você. É seu filho também. - Comigo? Lugar de filho é ao lado da mãe. Se você quer ir embora, vai, mas leva o Washington com você. - Você quer é ficar com o apartamento livre para colocar suas piranhas aqui dentro. Espertinho. Só que seu filho vai ficar aqui, tomando conta de tudo. - É? E quem vai cuidar dele? - A Dalva. Amanhã ela trabalha normalmente. - E daí? Eu só chego oito horas em casa. A Dalva vai embora às cinco. De oito às cinco quem é que fica com o Washington? - Ele está grande e pode se virar sozinho. - Já jantou, Washington? O menino balançou a cabeça timidamente. - Então levanta e vai arrumar a mala. Você vai embora com a sua mãe. O menino olhava para um e outro, assustado. Sales empostou a voz: - Anda, obedece ao seu pai. Vai arrumar a mala. Enquanto o menino jogava algumas roupas na mochila, Maria Isabel e Sales discutiam na sala. - Isso não se faz, como é que eu vou levar o Washington pra casa da minha mãe? - Levando, ué. Ela não é avó do garoto? Então, que cuide dele. Fico muito mais sossegado com ele lá do que aqui com a empregada. - Você é um cínico. Assim que eu virar as costas, você vai colocar mulher pra dormir na MINHA CAMA. - Eu? Quem está saindo de casa é você. Por mim, continua tudo como está. - Um casamento de faz de conta? - Melhor do que nada. Pelo menos você tem marido. Tem gente que nem isso. - E você acha que eu quero marido só pra vitrine? Sabe há quanto tempo a gente não transa? - Nem quero saber. Estou cheio de problema no trabalho. Vamos mudar de assunto. Daqui a pouco o jogo vai começar. - É só isso que você sabe fazer: ficar aí sentado vendo jogo pela televisão. - Tem coisa melhor? Washington voltou pra sala com a mochila nas costas e um pacote de amendoim nas mãos. - Tô pronto, mãe, vamos? - E deixar seu pai sozinho aqui? Nunca! É isso que esse cachorro quer. Vamos ficar. O menino voltou para o quarto e desarrumou as malas. Enquanto colocava as roupas de volta no armário, Maria Isabel xingava o marido baixinho: “Esse pilantra me paga. Pensa que é muito esperto. Ele vai ver”. Sales foi até a geladeira, pegou uma cerveja, sentou no sofá, colocou os pés na mesinha de centro. Em seguida, se espreguiçou e colou os olhos na TV. Washington voltou pra sala e assistiu ao jogo deitado no colo do pai. Maria Isabel adormeceu com o coração angustiado. Antes de pegar no sono, pensou: “Amanhã, quando chegar no trabalho, vou falar com a Angela que o nosso plano falhou. Preciso de outra idéia“. Chegou no trabalho oito em ponto, cheia de olheira. Angela perguntou: - E aí, como foi? Sales mordeu a isca? - Nada. Ainda debochou da minha cara. É um broxa mesmo. Prometeram conversar durante o cafezinho. Final de expediente. Angela chamou a colega de trabalho num canto. - Tenho um plano ótimo. Tem que ser no sábado. Duvido que ele não tome uma atitude. - Não sei. Acho que ele não tem sangue. Cochicharam. - Será que vai dar certo? - Claro. O desejo de posse acaba falando mais alto. No sábado, Maria Isabel foi ao shopping, comprou um vestido e passou no salão. Fez cabelo e unha. Sales notou a transformação. - Cabelo cortado e pintado? Vai sair? - Vou – respondeu com ar misterioso. O marido calou-se e continuou lendo o jornal. Por volta de dez da noite, Maria Isabel colocou Washington pra dormir e se arrumou. Passou pela sala, perfumada e de vestido novo. Sales assistia a um filme comendo chocolate. Olhou para a mulher rapidamente e voltou a atenção para a TV. Maria Isabel arrumou os cabelos em frente ao espelho da sala de jantar. Nada. Sales continuava impassível. Ela tentou: - E aí? Estou bem? - Ótima! A mulher recebeu uma ligação no celular. Atendeu e falou baixinho. Antes de sair, comunicou: - Não vou dormir em casa. Amanhã de manhã estou de volta. Ele levantou os olhos, encarou Maria Isabel, coçou a cabeça e respondeu bocejando: - Leva a chave. Ah sim, cuidado, hein? Não esquece da camisinha. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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