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Contos
22/12/2008 - 18h40
Compras de Natal
Celamar Maione
 

Ernestina arrumou a mesa, acordou as crianças e chamou o marido:
- Abílio, levanta e vai tomar café para irmos ao shopping.
- Que horas são?
- Nove.
- Só? Acordo cedo a semana inteira, hoje tenho direito de ficar na cama até mais tarde.

Voltou a se cobrir e fechou os olhos. Ernestina sacudiu o marido contrariada:
- É melhor irmos cedo, mais tarde o shopping vai ficar cheio.
- Não dá para ir sozinha com as crianças? Eu pego vocês na hora da saída.
- Nada disso. Ano passado eu dei uma camiseta que não coube no seu pai e sua mãe encheu meus ouvidos. Lembra? Esse ano você vai comigo.

Abílio coçou a cabeça e se espreguiçou. Tomou café de mau-humor. Entrou na garagem mais relaxado, porém voltou a ficar mal-humorado quando saíram com o carro e Ernestina deu um gritinho:
- Estaciona rapidinho em frente ao prédio. Vou lá em cima.
- Pra quê? Tá com vontade de ir ao banheiro?
- Esqueci a lista dos presentes.
- Vamos sem lista. Se eu ficar aqui parado, vou ser multado.

Ernestina não deu ouvidos ao marido e saiu do carro batendo a porta. Voltou dez minutos depois. Seguiram para o shopping em silêncio. Abílio entrou na praça de alimentação resmungando:
- Vou ficar por aqui tomando um chopinho enquanto você faz as compras. O shopping tá muito cheio.
- Não senhor, você vai comprar o presente do seu pai comigo.

O homem revirou os olhos contrariado. Entraram numa loja de departamento e foram direto para a seção de artigos masculinos. Ernestina se distraiu procurando presentes. O marido se afastou com as crianças. Para chamar a atenção dele, ela gritou:
- Já escolheu o que vai dar de presente para o seu pai?

Ele tentou ser discreto:
- Estou olhando.
- Que tal cueca? – falou alterada, perto do cesto de cuecas em promoção.
Abílio concordou com a cabeça, sem graça. Ela continuou:
- Média ou grande?
Pegou três cuecas coloridas e balançou:
- Estão boas?
Ele apressou os passos e se aproximou da esposa:
- Não dá para ser mais discreta e parar de berrar no meio da loja?
- Então fica perto de mim. Vai ou não vai levar?
- Vou. Manda embrulhar pra presente.
- E que tal essa para você?
Pegou uma cueca preta, ousada e mostrou ao marido:
- Bem que você podia usar uma assim, né?
- Deixa isso aí. Cueca ridícula. Isso é coisa de gay.
- Bobão, preconceituoso. Não se garante, não é?

Discretamente Ernestina colocou a cueca no interior da cesta. Ainda ficaram mais de uma hora na loja escolhendo presentes. Quando acabaram, o marido determinou:
- Agora vamos almoçar. Depois você fica com as crianças e faz o resto das compras, enquanto eu vou dar um pulo na oficina para dar uma olhada no carro.
- O que é que tem o carro?
- Problemas no carburador.

Depois do almoço, Abílio se despediu. Ernestina foi comprar o resto dos presentes e as crianças ficaram numa Lan House. Marcaram de se encontrar às sete, no estacionamento. Assim que entrou no carro, Abílio pegou o celular e discou um número.
- Tá em casa? Tô indo praí.

Dez minutos depois, estacionou e saiu apressado em direção a um prédio de quatro andares. Colocou a chave no portão de ferro, entrou e parou no segundo andar. Tocou a campainha do 201. Uma mulher magra, com o cabelo pintado de loiro com tinta vencida, atendeu a porta de calcinha e sutiã, com um copo de cerveja na mão. Ela ficou feliz ao vê-lo:
- Que milagre aparecer aqui num sábado?!
- Minha mulher está fazendo compras com meus filhos. Temos duas horas.

Quando voltou para o shopping, Ernestina e as crianças já o esperavam impacientes. Com a mão na cintura, ela reclamou:
- Por que você deixou seu celular desligado?
- Deixei? Nem reparei. – respondeu cinicamente.

O domingo se arrastou.
Na segunda-feira, Abílio saiu cedo para trabalhar. Ernestina levou as crianças para ficarem com a mãe e voltou para casa decidida a faltar ao trabalho. Ligou para o chefe e inventou uma doença. Depois pegou o caderninho e teclou um número:
- Arizinho, sua mãe está em casa?

Diante da resposta negativa, Ernestina disse que precisava de alguém para ajudá-la a arrastar os móveis do quarto. Solícito, ele se ofereceu. Arizinho é um rapaz de 19 anos, filho da vizinha do quinto andar e Ernestina sempre o cobiçou em silêncio. Ele é moreno, alto, pratica esportes e tem a inocência do olhar de um jovem recém-saído da adolescência. Orgulho da mãe e objeto do desejo das vizinhas carentes. Assim que Arizinho chegou, Ernestina o pegou pelo braço e o levou até o quarto. Com ar misterioso, mostrou um embrulho e ordenou:
- Veste.

Arizinho obedeceu e vestiu a cueca. Ernestina colocou uma música, cruzou as pernas e sorriu ansiosa por um momento de prazer:
- Agora desfila pra mim!

O filho da vizinha arriscou uma dança e passou a rebolar desnecessariamente. Empolgado, começou a dar gritinhos histéricos. Ernestina estranhou:
- Quê isso Arizinho? Deixa de brincadeira e faz um desfile sensual pra mim.
- Então não sabe? Sou gay e faço shows eróticos na boate em que eu trabalho. Meus shows fazem o maior sucesso.
- Sua mãe sabe?
- E precisa? Quem cuida da minha vida sou eu.
 
Envergonhada, Ernestina pediu desculpas pelo equívoco. Balançando o corpo, Arizinho agradeceu o presente, se vestiu e saiu jogando beijinho. Decepcionada, Ernestina sentiu um torpor percorrendo-lhe o corpo. Tinha a impressão de que os vizinhos, em poucos segundos, tomariam conhecimento do vexame que acabara de passar. Fungando, enxugou as lágrimas, pegou uma escada e subiu no armário do quarto. Alcançou um embrulho e voltou pra sala. Abriu o pacote e começou a arrumar os enfeites natalinos. Sorrindo esperançosa, olhou para a estrela em cima da Árvore de Natal tentando encontrar na alma a criança que havia perdido.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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