26/11/2024  00h40
· Guia 2024     · O Guaruçá     · Cartões-postais     · Webmail     · Ubatuba            · · ·
O Guaruçá - Informação e Cultura
O GUARUÇÁ Índice d'O Guaruçá Colunistas SEÇÕES SERVIÇOS Biorritmo Busca n'O Guaruçá Expediente Home d'O Guaruçá
Acesso ao Sistema
Login
Senha

« Cadastro Gratuito »
SEÇÃO
Contos
15/12/2008 - 12h00
A mulher dos cabelos molhados
Celamar Maione
 

Fim de festa. O dia clareava quando saí do apartamento de um amigo na Avenida Atlântica. Cansado, mas sem vontade de ir pra casa, resolvi andar pelo calçadão para respirar ar puro. Enquanto exibia um rosto exausto do sono perdido na farra, os adeptos da vida saudável se exercitavam à beira-mar. Logo os primeiros raios de sol começariam a diluir as lembranças da madrugada.

Caminhava distraído pelo calçadão, quando avistei Elisabeth vindo em sentido oposto. Alta, magra, vestida com uma calça de lycra azul clara que marcava-lhe o corpo esbelto e uma blusa de malha branca. Os cabelos pretos e presos em um rabo-de-cavalo, deixavam-na mais jovial e charmosa. Esperei chegar mais perto e segurei-a pelos braços.
- Não me reconhece mais? Mudei tanto assim?

Ela sorriu, sem graça, e tentou disfarçar o constrangimento.
- Estava distraída, desculpe! Que cara é essa de cansado?
- Saí de uma festa na casa do Alberto.
- É verdade, você é o homem das noitadas.
- E você a mulher das manhãs.
- Por isso que não demos certo. Os opostos nem sempre se atraem.

Para cortar o início de uma provável discussão, mudei o tom de voz e num gesto carinhoso fiz o convite:
- Vamos conversar um pouco?

Sentamos num banco do calçadão de frente para o mar tomando água de coco. Durante alguns minutos ficamos em silêncio. Lembrei-me de como amei e ainda amava Elisabeth. Nos relacionamos durante dois anos. Fazíamos planos de casar e ter filhos. Apesar de amá-la, nunca fui fiel. Ela descobriu minhas aventuras e terminou nossa relação, faltando um mês para o casamento. Ferida, viajou para a casa de uma tia em outro estado. Um ano depois voltou para a casa dos pais. A saudade me fez perceber o quanto eu a desejava. Tentei reatar. Ela não me quis mais.

As lembranças me vieram à cabeça. Quebrei o silêncio e perguntei, tentando aparentar naturalidade, mas sem querer ouvir a resposta:
- Já casou?
- Vou me casar.
- Quando?
- Daqui a uma semana.
- Você o ama?
- Estou feliz.
- Perguntei se você o ama.
- A felicidade não tem nada a ver com amor.
- Não?
- Amei você e não fui feliz.
- Ainda me ama?

Apertou os lábios e olhou para o mar fugindo da resposta. O sol nascia forte, denunciando a chegada de um dia quente e de muito calor. Peguei-a pelas mãos:
- Vamos caminhar.

Uma sensação de liberdade tomou conta de mim. A mulher que eu amava e perdera, estava ao meu lado. Caminhamos pensativos durante meia hora. Elisabeth quebrou o silêncio me convidando para recordarmos os velhos tempos. Perfeito. Passamos a manhã entre os lençóis. Meio-dia ela se levantou decidida:
- Preciso ir, minha família deve estar preocupada.
- Não quer ficar mais? Podemos almoçar juntos?!

Ela sorriu e entrou no banheiro. Quando saiu, estava com a roupa de ginástica e os cabelos soltos e molhados. Colocou os tênis e me olhou secamente. Seu olhar me gelou a alma. Não era mais aquela mulher que vibrara em meus braços.
- Gostei do nosso encontro. Desejo-lhe tudo de bom. Seja feliz!
- Não vamos mais nos ver?
- Não. Semana que vem serei uma mulher casada – sorriu sem vontade.
- Mas...
- Mas o quê? Nosso encontro foi a minha despedida de solteira. Obrigada.
- Não sabia que você tinha se tornado uma mulher vingativa.
- Que palavra feia. Estou apenas vivendo os bons momentos. Não era o que você me dizia: “Elisabeth, viva os bons momentos?!”
- Podemos viver outros bons momentos se você quiser.
- Você conhece a palavra lealdade?

Ela ajeitou a franja que insistia em cair nos olhos, jogou um beijinho com a ponta dos dedos e saiu. Demorei para me recuperar da surpresa. Corri até a janela e ainda a vi dobrar a esquina com os longos cabelos molhados. Meu filho me sacudiu. Acordei assustado:
- Aconteceu alguma coisa?

Ele sorriu:
- Pai, o senhor dormiu no sofá com a TV ligada. Depois diz que eu é que sou dorminhoco.
- É verdade – ri, passando a mão pelos cabelos dele - ferrei no sono.

Desliguei a televisão e entrei no quarto. Deitei ao lado de Marizia. Ela fez um gesto com as mãos me procurando. Em seguida se virou para o lado e continuou dormindo.

Eu a conheci três meses depois do último encontro com Elisabeth. Casamos porque ela engravidou. Nunca a amei. Marizia é ótima esposa e excelente mãe. Nosso casamento é perfeito. Já dura oito anos. Tenho uma amante fixa há três. Ela não sabe. Acho.

Elisabeth é a mulher da minha vida. Nunca mais nos vimos. Às vezes as lembranças são tão fortes que sinto o cheiro de seus cabelos molhados exalando um perfume suave pelo quarto. Feliz do homem que tem um grande amor para recordar.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

PUBLICIDADE
ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES SOBRE "CONTOS"Índice das publicações sobre "CONTOS"
20/12/2022 - 06h19 Aquelas palavras escritas
20/10/2022 - 06h07 Perfil
30/06/2022 - 06h40 Ai eu choro
13/06/2022 - 06h32 Páginas de ontem
31/05/2022 - 06h38 É o bicho!
24/05/2022 - 06h15 Tocaia
ÚLTIMAS DA COLUNA "CELAMAR MAIONE"Índice da coluna "Celamar Maione"
21/05/2010 - 15h26 Rotina
11/05/2010 - 15h06 Sonhos
04/05/2010 - 13h12 Quem matou dona Shirley?
27/04/2010 - 07h45 Comportamento inadequado
22/04/2010 - 15h04 Bodas de prata
13/04/2010 - 15h28 O enxoval
· FALE CONOSCO · ANUNCIE AQUI · TERMOS DE USO ·
Copyright © 1998-2024, UbaWeb. Direitos Reservados.