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Contos
01/12/2008 - 12h39
Quase inimigas
Celamar Maione
 

Era fim de tarde, quando Jandira viu Adelaide chegar do trabalho. Como sempre fazia, agrediu a ex-amiga com palavras.
- Ladra de namorado! Cachorrona! Você ainda vai pagar pelo que me fez!

Cleomira horrorizava-se com a linguagem da filha.
- Sai dessa janela, Jandira. Pára com isso. Há dois anos que você dá esse espetáculo para a vizinhança.
- Essa jararaca me paga, mãe. O Ademir era meu namorado.

Envergonhada, Adelaide seguia pela rua de cabeça baixa. No início revidava as ofensas, mas com o passar do tempo, desistiu. Antes de virar a esquina, ainda escutou as últimas palavras de ódio de Jandira:
- Ainda vou ver você definhar em cima de uma cama. Vai morrer seca.

Adelaide fez o sinal da cruz para isolar a praga e entrou em casa, reclamando com Ademir:
- A gente tem que se mudar. Não agüento mais as provocações da Jandira.
- Deixa pra lá. Esquece essa doida. Vamos jantar, fiz uma comidinha bem gostosa pra gente.

Enquanto Adelaide e Ademir jantavam em clima de harmonia, Jandira era consumida pelo ódio. As duas cresceram brincando de boneca nas ruas do subúrbio de Inhaúma. Amigas inseparáveis. Jandira namorou Ademir durante um ano. Três meses depois de terminarem a relação, Ademir começou a namorar Adelaide. Jandira nunca os perdoou. Adelaide e Ademir casaram-se. As duas tornaram-se inimigas. Com o coração ardendo de despeito, Jandira passou a desejar o mal do casal. Cleomira procurou pastores, padres, cartomantes e pais-de-santo para aconselhamento, na tentativa de curar a ira da filha. Não obteve sucesso. Preocupada, avisou-a:
- Se você continuar implicando com Adelaide, vou lhe internar num hospício.
- Acha que estou doida? Raiva não é loucura. Se raiva fosse loucura o mundo inteiro estaria no hospício.

A mãe benzia-se, agarrada à imagem de São Jorge, e falava, com voz trêmula:
- Raiva é doença, minha filha. E você está doente.

Sem dar ouvidos à mãe, Jandira esbravejava, gritando o nome de Adelaide e rindo de maneira invejosa e magoada. Passou a fazer parte da rotina esperar Adelaide no final da tarde, para insultá-la. Quando a ex-amiga sumiu durante duas semanas, sentiu um grande vazio. Antes de dormir, indagava-se: “Está de férias? Mudou-se? O que houve? Morreu?” Não agüentando de curiosidade, tomou coragem e foi até a casa de Amelinha, a fofoqueira da rua, para investigar. Disfarçou. Conversou futilidades e perguntou, num tom relaxado:
- Tem visto Adelaide?
- Não soube? Está com tumor na cabeça. É grave. Dizem que dessa não escapa.

Jandira desesperou-se. Um desespero que surpreendeu a fofoqueira. Desnorteada e gritando pela rua, foi bater na casa de Adelaide. Ademir atendeu a porta de pijama, abatido e barbado:
- O que você quer aqui? Veio tripudiar sobre a minha dor?
- Quero falar com Adelaide. Pelo amor de Deus, deixa – implorou chorando.

A doente apareceu na sala de camisola, com os cabelos desalinhados e pálida. Ao contrário do que se esperava, falou com serenidade:
- Deixa ela entrar, Ademir.
- Vim lhe pedir desculpas pelas besteiras que falei. O que faço para me redimir?

Abraçaram-se chorando, comovidas. Tirou licença do trabalho e passou a acompanhar Adelaide nas consultas médicas. Não se largaram mais. Jandira cuidava da amiga com satisfação e zelo. Ademir tentava ajudar, mas logo era descartado:
- Pode deixar. Eu dou o remédio.

Quando a operação foi marcada, Jandira dormiu na casa de Adelaide. Choraram a noite toda. No dia seguinte, saíram de mãos dadas para o hospital. Antes de entrar no centro cirúrgico, a doente chamou a amiga:
- Preciso lhe pedir um favor. Se eu morrer...
- Psiuuuu, não diga isso. Você não vai morrer.

Adelaide puxou Jandira e cochichou-lhe no ouvido.
- Jura?
- Juro.

A doente morreu na mesa de cirurgia. No velório, Jandira era a mais abatida. Na hora do enterro usaram a força para separá-la do caixão. Inconsolável, passou um mês acamada. Só Ademir foi capaz de tirá-la da prostração. Visitava-a todos os dias. Da amizade para o namoro foi rápido. O casamento não demorou a sair. Na lua–de-mel, Ademir decepcionou-se. Jandira se recusou a dormir com ele e com voz ofendida gritou:
- Você é um tarado, Ademir! Não respeita nem a memória de Adelaide!
- Nós estamos vivos. Ela morreu!
- Adelaide sempre estará entre nós. Sempre, entendeu?

Zangada, colocou Ademir para dormir no colchonete. Durante a madrugada, ele acordou apavorado ao ver a esposa sentar-se na cama, falar sozinha e acariciar o travesseiro:
- Cumpri e cumprirei sempre o que prometi, minha amiga. Nunca vou dormir com o seu marido. NUNCA!

Chorando, Jandira abraçava Adelaide deitada ao seu lado, numa camisola preta, sorrindo pra ela, agradecida.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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