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Contos
24/11/2008 - 07h55
A virgem
Celamar Maione
 

Quando Leninha falou para Lúcia e Verônica que era virgem, as colegas de trabalho quase caíram da cadeira.
- Com 30 anos, em pleno século vinte e um, camisinha, pílula, liberdade total e você NADA? Tá de brincadeira?
- Sou muito tímida e romântica. Meu sonho é casar virgem.
- Queridinha, acorda, os homens de hoje só gostam de mulheres experientes.
- Nem todos. Exagero seu.
- Há quanto tempo você não dá um beijo na boca?
- Mais de cinco anos. Depois que meu pai morreu, tenho que cuidar da minha mãe. Não sobra tempo pra namorar.
- Vai acabar morrendo virgem. As formigas vão aproveitar!

Disposta a acabar com a virgindade de Leninha, Lúcia fez o convite:
- Que tal sábado ir comigo e com a Verônica no aniversário de um amigo?
- Não sei. Não posso deixar minha mãe sozinha.
- Você está precisando desencalhar. Beijar na boca. Um sábadozinho só.

Pensou um pouco e aceitou. “Precisava mesmo se distrair. Passava o sábado assistindo TV e aos domingos ia à feira e depois à missa com a mãe, Dona Carmelina”. Empolgada com a possibilidade de um final de semana diferente, comprou vestido novo. A mãe comentou, invejosa:
- Vai me deixar sozinha no sábado? Que filha ingrata!

Na festa, livre das reclamações maternas, conversava animada com as amigas e ensaiava alguns passos de dança. Verônica incentivava:
- Quem sabe seu príncipe encantado aparece hoje?

Lúcia apoiava:
- É verdade. Você está precisando desencalhar. Gostou de alguém?

Leninha sorriu constrangida e apontou para um rapaz moreno que estava sozinho num canto.
- Aquele ali é uma gracinha. Parece tímido que nem eu.

Lúcia pegou-a pela mão:
- É o Jorge Antonio. Vem que eu vou apresentá-lo.
- Tô nervosa.
- Calma! É só uma apresentação, ele não vai comer você.
- Será que vai gostar de mim?
- Ele é um cara sério, não gosta de bagunça e acho que não tem namorada.

Fizeram as apresentações. Jorge Antonio chamou-a para dançar e no final da festa trocaram o número de telefone. No mês seguinte estavam namorando. Ela contou que era virgem. Ele respeitou a castidade da namorada e seis meses mais tarde a pediu em casamento.

Casaram-se no dia de São Jorge, Santo de devoção de Dona Carmelina. Depois de partirem o bolo, seguiram em lua-de-mel para Cabo Frio.

Na primeira noite, quando Leninha deitou-se depois de um banho demorado, percebeu que o marido dormia. “Tadinho, deve estar cansado”. Deu-lhe um beijo cheio de ternura e dormiu com o coração colorido de felicidade. Na segunda noite, Jorge Antonio alegou indisposição alimentar e dormiu logo depois do jantar. Na noite seguinte, quando o marido reclamou de dor nas costas e se deitou no chão, Leninha entristeceu-se:
- Você pode me dizer o que eu fiz de errado?
- Nada.
- Então por que não faz amor comigo?
- Você quer?
- Claro.
- É virgem com trinta anos, pensei que não gostasse de sexo.
- Como vou saber se gosto? Nunca experimentei e estou esperando por você.
- Então tranqüilize-se, você nunca vai sentir falta daquilo que não fez.
- Mas eu quero fazer. Pode me dizer o que está acontecendo?

Jorge Antonio engoliu a saliva, respirou fundo e olhou sério para Leninha:
- Sou gay. Entendeu?

Ela deu uma risada nervosa e esperou o marido dizer que era uma brincadeira. Nada. Silêncio total. Com o coração acelerado, Leninha desabafou:
- E por que quis se casar comigo? Não me ama?
- Não. Nosso casamento é só de aparência.
- Não quero continuar casada assim. Não quero viver de aparência.
- Agora é minha esposa. Vamos fazer de conta que está tudo bem.
- Não está tudo bem. Eu tinha o direito de escolher se queria brincar de casinha ou ter um casamento de verdade. Quero anular essa mentira. Sou virgem, mas não sou burra.

Desesperado, Jorge Antonio ajoelhou-se aos pés de Leninha. Chorava como se tivesse chegado ao inferno:
- Eu lhe imploro: Por favor, não faz isso comigo, meu pai morre se souber que sou gay. Não posso lhe dar esse desgosto. Faço o que quiser. Mas continua casada comigo!

Lentamente tirou a camisola:
- Então me come seu viado de merda! Seja homem pelo menos uma vez na vida.
- Não consigo. Tenho nojo de mulher!

Voltaram de Cabo Frio pela manhã. Assim que entraram no apartamento, Leninha jogou a bolsa em cima do sofá e olhou para Jorge Antonio destilando veneno:
- Vai se arrepender de um dia ter se casado comigo, não vou lhe dar sossego na vida.

Quando o marido saiu para trabalhar na segunda-feira, ela ficou em casa esperando o técnico para instalar a TV a cabo. Quando o homem encerrou o serviço, gritou da sala:
- Madame, acabei. Assina a nota pra mim, por favor?

Ela apareceu nua no corredor e com um olhar de odalisca no cio, aproximou-se do técnico, puxando-o pelo braço:
- Me come agora. Fiquei tarada por você! ME COME.

Depois da primeira vez, Leninha queria sexo todos os dias. Ia pra cama até com os vizinhos casados. Seduzia-os. Provocava-os. Tornou-se o terror da vizinhança. O comentário nas reuniões de condomínio. Quando passava pela rua era agredida verbalmente pelas mal-amadas.

Iradas com a postura leviana de Leninha, as vizinhas reuniram-se e procuraram Jorge Antonio. Queixaram-se chorosas. Ele ouviu as reclamações, deu um sorriso de corno e defendeu a esposa adúltera:
- Quanta maldade na cabeça de vocês. Leninha é apenas uma mulher interativa e excelente esposa. Tô pra ver mulher igual.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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