Sexta-feira, sete da manhã. Marielza acordou Salustiano com um beijo festivo. - Parabéns pra você, nesta data querida! - E eu lá tenho motivo para comemorar alguma coisa? - Nossa, homem, que baixo astral! Hoje é seu aniversário! Toma, abre o presente. - Cueca nova! - Gostou? - É uma coisa que a gente sempre precisa, né? Deu um sorriso apertado, saiu da cama e foi tomar banho para ir trabalhar. Tentando agradar o marido, Marielza caprichou no café. Salustiano saiu para a repartição mais animado. Em seguida, Marielza se arrumou e foi para o escritório. Antes, tocou a campainha da vizinha e amiga Rosiele. - Tudo certo para logo mais? - Certíssimo! Fica tranqüila. - Então vou deixar a chave lá de casa com você. - Deixa sim. Eu adianto os preparativos. Bom trabalho. Pegou o ônibus cantarolando. Trabalhou de bom-humor. Às cinco em ponto bateu o cartão e foi pra casa. Encontrou Rosiele montando os arranjos e enfeitando a sala. - Tá conseguindo encontrar tudo? - Só tive dificuldade para achar os guardanapos, mas já estão na mesa. - E o bolo? - Em cima da geladeira. Empolgadas, colocaram as cervejas e os refrigerantes no freezer. Montaram uma mesa com o bolo e os doces e deixaram os salgadinhos prontos para serem aquecidos no microondas. Às sete, em ponto, a mãe de Salustiano tocou a campainha: - Nossa, tô orgulhosa! Meu filho merece tudo isso? - Isso e muito mais. A senhora sabe que amo seu filho. Logo chegaram os irmãos, as cunhadas e os sobrinhos do aniversariante. Oito da noite, quando ele colocou a chave na porta, apagaram as luzes e fizeram silêncio. Assim que ele entrou, iluminaram a casa toda e cantaram parabéns. Salustiano empalideceu. Nos olhos, uma sombra de alegria e outra de preocupação. Marielza foi a primeira a abraçá-lo. Entre surpreso e preocupado falou baixinho no ouvido da esposa: - Depois você vai me explicar que loucura é essa. Ela deu uma risadinha e tentou disfarçar o constrangimento. Em seguida, a família rodeou Salustiano. Queiroz, o irmão mais velho, deu um tapa na barriga e gritou: - E aí cunhadinha, sai ou não sai a loura gelada? Rosiele ajudava Marielza a servir os convidados. A sogra, com um sorriso de mostrar as gengivas, jogava com os pés, um salgadinho para debaixo do sofá e comentava, para disfarçar: - Que vizinha maravilhosa é a Rosiele! A família conversava animada enquanto mastigava com avidez. Só o aniversariante, em meio à alegria, demonstrava um estranho abatimento. Queiroz foi quem o tirou da prostração: - E aí, Salu, desce ou não desce outra loira gelada? Ensimesmado, Salustiano entrou na cozinha e encontrou Marielza e Rosiele cochichando. Pediu licença à vizinha e ficou a sós com a esposa. Levou-a para um canto da cozinha e desabafou o que carregava entalado na garganta. - Você tá maluca de dar essa festa?! Nós estamos afundados em dívidas, devendo a banco e você me gasta dinheiro com festinha de aniversário? - Deixa de ser mal-agradecido. Não está gostando? - Como é que eu vou gostar sabendo que terei que pagar pelo seu delírio? Você quer me arruinar? Como a gente vai pagar isso? - Não se preocupe. Deixa comigo. Já acertei tudo. Você não vai gastar nada. - Você vendeu alguma coisa? Roubou? Sei lá. Fez alguma merda? - Nada disso. Depois eu falo. Curte a festa. - Não consigo. Minha cabeça está explodindo. - Já disse, curte a festa, depois conversamos. Queiroz entrou na cozinha gritando, interrompendo as lamúrias do irmão: - Sai ou não sai mais uma gelada? Que festão hein? Depois diz que tá no fundo do poço! Meia-noite em ponto, os convidados cantaram os parabéns. Marielza fez questão que a primeira fatia fosse a dela. Saindo pedaço de bolo pelos cantos da boca, Queiroz comentava, com ares de inveja: - A Carminha nunca fez uma festa surpresa pra mim! Que se dane minha glicose alta. Esse bolo de chocolate tá uma delícia! Quase uma da madrugada, os convidados se foram, empanzinados. Rosiele piscou para Marielza: - Amiga, vou ficar para ajudar na limpeza. Trocaram um sorriso de cumplicidade. Marielza foi até o quarto, pegou uma bolsa, colocou a camisola e chamou o marido. - Tranca a porta. Precisamos conversar. É importante. Ele se sentou na beirada da cama, intrigado. Depois de conversarem, Salustiano, colocou a mão na cabeça, enquanto balançava a perna, nervoso: - Você é maluca, Marielza. E se eu não concordar? - Se você não concordar, vai ficar mais encalacrado ainda. Escolhe. - Mas isso é coisa que se faça? - A Rosiele está sem homem há dois anos. Custa dar uma moral pra minha amiga? - Mas logo eu?! O que é que eu faço agora? - Até parece que você não sabe. Se vira, queridinho. A festa foi um sucesso. - E você? Vai pra onde? - Durmo na casa dela. E olha, seja homem pelo menos pra isso. Não me decepcione. Marielza foi embora, carregando um pratinho com doces e salgados. Antes de bater a porta, desejou boa sorte, falou para o marido usar a cueca nova e fez uma última recomendação: - Comportem-se! Nove horas quero voltar pra casa e encontrar meu maridinho inteiro. Sem escolha, Salustiano tomou um banho para relaxar. Enquanto a água escorria-lhe pelo corpo, pensou: “Até que a Rosiele é gostosinha. A Marielza é muito criativa!” Foi pra sala só de cueca. Para suavizar o ambiente, colocou um CD de música romântica. Na cozinha, pegou a última garrafa de cerveja. Serviu. Beberam no mesmo copo. Excitado, apagou a luz e esticou as mãos tirando-a para dançar. Apertou-a contra o corpo e beijou-lhe a nuca. Ela correspondeu. Enquanto Salustiano pagava a dívida, Marielza se deliciava com os doces, ouvindo música. Antes de dormir, suspirou, sonhadora, e sentiu orgulho de si mesma. A madrugada rompia no céu estrelado quando ela adormeceu com um sorriso no rosto. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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