Sheila estica-se tentando pegar um livro no alto do armário de aço, no escritório de contabilidade, quando Neide grita: - Gente, adivinha quem vai casar?! - O Jonas! - Mário! - Não! ALBERTINHO! Sheila quase cai no chão e é amparada pelos colegas. Em meio à agitação que se faz no escritório, pede licença, coloca a mão na boca e corre para o banheiro. Ajoelha-se em frente ao vaso sanitário e vomita o almoço. Em seguida, engole o choro, lava o rosto e vai até a sala de Albertinho. Quando entra, o rapaz está concentrado no computador. - Albertinho, preciso falar com você. - Tá vendo que agora não posso? Estou em horário de expediente. - Tem que ser agora. - Depois. - Depois quando? - Amanhã. - Hoje. Se não for hoje, faço um escândalo e derrubo todos os papéis da sua mesa. Temendo a gritaria, ele concorda, contrariado. Quando dá seis horas, Sheila bate o ponto, pega a bolsa e espera Albertinho no shopping. Ele chega vinte minutos depois. - É verdade que você vai casar? - Ia contar pra você. - Nós estávamos saindo. - Saindo, não, ficando, bem diferente. Nunca lhe prometi nada. Se iludiu à toa. Sheila começa a chorar. - Nossa, quanta frieza! - Choro não muda nada. A Rosicléia está grávida. Ela chora mais alto e soca o peito de Albertinho. - Cachorro, vigarista. Você não presta, Albertinho! - Escândalo, não. Vamos embora. Outro dia a gente conversa. Tá muito nervosa. Durante a noite, Sheila dorme com ajuda de calmantes. No dia seguinte não vai trabalhar. Só pensa em Albertinho. A cabeça gira. A boca resseca. O despeito fere-lhe as entranhas. “Ele a enganou sordidamente” – pensa ressentida. “Só quis ir pra cama. Satisfazer a luxúria. Mostraria para Albertinho que ninguém machuca o coração de uma mulher e sai impune”. No dia seguinte, diante do estado débil, consegue um atestado e se afasta do escritório. Não suporta a idéia de escutar o comentário dos colegas a respeito do casamento de Albertinho. Promete a si mesma que nunca mais sofrerá por amor. “Esse mentiroso vai pagar por todos os homens que me fizeram sofrer”. As noites de Sheila viram um transtorno. Quando consegue dormir, tem sempre o mesmo pesadelo: Albertinho entrando na igreja ao lado de uma mulher que ela não identifica. Quando ele aproxima-se do altar, seu rosto transforma-se num lagarto e ele começa a gritar. Sobressaltada com o pesadelo insistente, procura a ajuda do amigo de infância, Josué. Ele a aconselha a esquecer Albertinho. Ela, então, propõe: - Esqueço. Mas primeiro você vai ligar pra ele e dizer que é amante da Rosicléia. - Não farei isso. Não me envolva nas suas confusões. Esquece o cara. Ela ajoelha-se, chorosa. - Somos amigos. Nunca lhe pedi nada. Me ajuda, pelo amor de Deus! Josué fica com pena. Para deixar Sheila menos chorosa, leva na brincadeira e passa a ligar todos os dias. Faltando uma semana para o casamento, na sua alucinação, Sheila coloca a última parte do plano em prática. - Josué, agora vamos marcar um encontro com a Rosicléia. - Tá maluca? O que você está planejando nessa mente doentia? – brinca, nervoso. - Fica tranqüilo. Tá tudo armado. Sem erro. Disposta a estragar o casamento e com a raiva consumindo-lhe a mente, Sheila liga para a rival: - Seu noivo tem outra mulher. Vão se encontrar hoje, no shopping, quatro horas. Desconfiada e ao mesmo tempo curiosa, Rosicléia pega o endereço. Sheila atrai Rosicléia para o estacionamento. Josué a espera no carro. - Albertinho está no carro com a amante. Vamos. A rival é levada até Josué. Ele abre a porta do carro. Sheila a empurra no banco do carona e coloca-lhe um lenço com éter no nariz. Josué pergunta: - E agora? - Agora vamos pra sua casa. Josué argumenta. Quer desistir. A amiga o convence. Dirige apreensivo. Quando chegam na porta da Vila, ele e Sheila tiram Rosicléia do carro e depois deixam-na nua, no quarto dele, jogada na cama. Arrogante, ela dá as ordens. - Já volto. Fica na cama com ela. Não deixa essa vadia acordar. Josué estranha: - O que você pretende? Você não disse que era uma brincadeira? - E é. Confia em mim. Alguma vez falhei com a nossa amizade? Sheila vai até a esquina e dá vinte reais a um guardador de carros. O rapaz liga para Albertinho e o atrai para a casa de Josué. Ele cai na cilada. Quando chega no endereço, a porta está entreaberta. Sheila o vê de longe. Ele entra. Vai até o quarto e encontra Josué com Rosicléia. Ela acorda. Os dois tentam se explicar. Albertinho não ouve. Quando ele vê uma pistola na escrivaninha, pega. Rosicléia grita: - Não é nada do que você está pensando! É uma armação! Não atira! Nãoooo!!!!! Cego de raiva, descarrega a pistola. Albertinho é condenado por duplo homicídio. Todo domingo, Sheila visita-o no presídio. Leva-lhe uma cesta de frutas. Sorridente, oferece-lhe uma uva com ar de demência: - Come. Umazinha só. É rica em carboidratos. Ele recusa e aperta os lábios. Ela aproxima-se e tenta colocar-lhe a uva na boca. O sumo da fruta escorre pelo pescoço de Albertinho. Ofegante, ele diz: - Odeio você. Quando sair daqui vou matá-la. Ela sorri: - Um dia você vai entender que tudo o que fiz foi por amor. Termina o horário de visita. O enorme portão de ferro é trancado. A chuva fina começa a cair. Sheila abre o guarda-chuva e caminha até o ponto de ônibus. A meia voz, canta uma canção. A preferida de Albertinho. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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