Quando Juarez chegou ao barzinho de música ao vivo, para comemorar o aniversário do amigo Cláudio, as mulheres entraram em êxtase. - Débora, olha quem chegou. Cada dia mais gostoso! - E olha o corpo, é muito lindo! - E veio sozinho. Com quem ele fica hoje? - Comigo! Vou partir para o ataque! - Eu também! Vamos apostar. O burburinho das desacompanhadas cresceu e fez-se intenso desfile de peitos, bundas, pernas e cabelos. Educadamente, Juarez cumprimentou as amigas e foi abraçar o aniversariante. - Rapaz, quase que não pude vir. Tive prova na faculdade. - Deixa eu lhe apresentar o pessoal que você não conhece. Os olhos de Juarez brilharam quando cruzaram com os de Lúcia. Foi paixão à primeira vista, dessas que acontecem raramente na vida de um homem. Empolgado, perguntou a Cláudio: - Quem é aquela de olhos verdes e cabelos pretos sentada na ponta? - É a Lúcia. Peraí! Vai me dizer que se interessou por ela?! - Qual o problema? É casada? - Não reparou? Ela está numa cadeira de rodas. É paraplégica. - E daí? Isso não impede que eu me interesse por ela. Amor não tem explicação. Foram apresentados. Juarez puxou uma cadeira e ficou conversando com Lúcia. As amigas do rapaz exibiam um misto de inveja e despeito. Juliana era a mais inconformada. - Não estou entendendo a do Juarez. Eu aqui, toda gostosa, me oferecendo... - Mas parece que se interessou por Lúcia, uma paraplégica. - Acabo com isso já. Vou chamá-lo para uma dança. Juliana se aproximou, exibindo os fartos seios siliconados, e fez o convite: - Tudo bem? Quanto tempo a gente não se fala! - Pois é, meu anjo, desculpe. Estou tão empolgado na minha conversa que não falei direito com você. Me perdoa, Ju? - Só se dançar comigo. - Dessa vez não vai dar. Machuquei meu pé no futebol. Sem graça, Juliana pegou a bolsa e foi embora. As falsas amigas exibiram um sorriso interno de satisfação. No final da comemoração, Lúcia e Juarez trocaram o número do telefone. Passaram a se falar diariamente. Juarez convidou-a para sair. Lúcia recusou e chamou-o para ir até sua casa. As visitas tornaram-se freqüentes. A amizade cresceu. A mãe, observadora, comentou: - Esse rapaz está apaixonado por você. Percebo pelo olhar. - Que nada, mãe. É só amizade. Não posso amar e nem ser amada. - O que é isso, Lúcia?! Você é mulher, tem sentimentos. - Mãe, vamos acabar com esse assunto. Está resolvido e assim será. Num sábado, os pais de Lúcia saíram e eles ficaram sozinhos. Comiam brigadeiro, quando Juarez fez o pedido, cheio de ternura: - Lúcia, gostei de você desde a primeira vez que a vi. Quer namorar comigo? - Namorar? - Sim e quem sabe mais tarde casar?! - Não posso. Somos amigos. - Não gosta de mim? - Sou incapaz. Não vê? - E daí? Isso não impede o nosso amor. - E quando se cansar? Quando sairmos, terá que carregar minha cadeira. As pessoas vão olhar e comentar: que homem bonito e com uma aleijada! - Nunca! Nunca deixarei que humilhem você. - Um dia se enche de tudo. As mulheres ficam à sua volta como moscas no mel. E eu, inválida, não poderei impedir o assédio histérico. - Mas gosto de você! - Gosta agora. Mas pode me responder se vai gostar amanhã? Pode? Abraçou Lúcia com sofreguidão. Ela não correspondeu e pediu que ele fosse embora. Ainda implorou, mas Lúcia foi enérgica. Não teve pena. E ainda gritou: - Hoje é você quem chora, amanhã, pode ser eu!!! Saiu confuso e procurou Cláudio para desabafar. - Sofrendo por causa daquelazinha sem graça? Você é boa pinta, pode ter a mulher que quiser. - Quero ela! Gosto dela! - Isso passa! Não passou. Durante um mês tentou contato com Lúcia, sem sucesso. A dor da saudade desnorteou Juarez. Perdeu o apetite e a vontade de viver. Foi abandonado pela razão. Tornou-se um mendigo do amor. Numa sexta-feira à noite, Lúcia e a mãe viam novela, quando a campainha tocou. Dona Inês olhou pelo olho mágico. - É Juarez. - Não atende! Ele sabia que estavam em casa. Escutava o som da televisão. Começou a gritar do lado de fora: - Lúcia, amo você. Me deixa entrar! Eu faço o que você quiser para provar que meu amor é verdadeiro! Uma hora de choro e gritaria. Lúcia não se comoveu. Os vizinhos reclamaram. Juarez só foi embora porque o porteiro ameaçou chamar a polícia. Na calçada, andava cambaleando, embriagado pela tristeza. Atravessou a rua sem olhar. Foi atropelado por um microônibus. O barulho da freada e de vidros quebrando chamou a atenção dos pedestres. Logo, uma multidão de curiosos se aglomerou em volta de Juarez. A ambulância chegou. Os paramédicos colocaram o atropelado na maca e comentaram, comovidos: - Tão novo! E é grave! Parece que o coitado fraturou a coluna. Ao ouvir a frase, os olhos de Juarez brilharam. Consciente, chamou baixinho pelo médico que estava lhe verificando a pressão e, com um sorriso de satisfação nos lábios, perguntou, com empolgação adolescente: - Estou paralítico, doutor? É pra sempre? Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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