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Contos
13/10/2008 - 13h02
Prova de amor
Celamar Maione
 

Quando Juarez chegou ao barzinho de música ao vivo, para comemorar o aniversário do amigo Cláudio, as mulheres entraram em êxtase.
- Débora, olha quem chegou. Cada dia mais gostoso!
- E olha o corpo, é muito lindo!
- E veio sozinho. Com quem ele fica hoje?
- Comigo! Vou partir para o ataque!
- Eu também! Vamos apostar.

O burburinho das desacompanhadas cresceu e fez-se intenso desfile de peitos, bundas, pernas e cabelos. Educadamente, Juarez cumprimentou as amigas e foi abraçar o aniversariante.
- Rapaz, quase que não pude vir. Tive prova na faculdade.
- Deixa eu lhe apresentar o pessoal que você não conhece.

Os olhos de Juarez brilharam quando cruzaram com os de Lúcia. Foi paixão à primeira vista, dessas que acontecem raramente na vida de um homem. Empolgado, perguntou a Cláudio:
- Quem é aquela de olhos verdes e cabelos pretos sentada na ponta?
- É a Lúcia. Peraí! Vai me dizer que se interessou por ela?!
- Qual o problema? É casada?
- Não reparou? Ela está numa cadeira de rodas. É paraplégica.
- E daí? Isso não impede que eu me interesse por ela. Amor não tem explicação.

Foram apresentados. Juarez puxou uma cadeira e ficou conversando com Lúcia. As amigas do rapaz exibiam um misto de inveja e despeito. Juliana era a mais inconformada.
- Não estou entendendo a do Juarez. Eu aqui, toda gostosa, me oferecendo...
- Mas parece que se interessou por Lúcia, uma paraplégica.
- Acabo com isso já. Vou chamá-lo para uma dança.

Juliana se aproximou, exibindo os fartos seios siliconados, e fez o convite:
- Tudo bem? Quanto tempo a gente não se fala!
- Pois é, meu anjo, desculpe. Estou tão empolgado na minha conversa que não falei direito com você. Me perdoa, Ju?
- Só se dançar comigo.
- Dessa vez não vai dar. Machuquei meu pé no futebol.

Sem graça, Juliana pegou a bolsa e foi embora. As falsas amigas exibiram um sorriso interno de satisfação. No final da comemoração, Lúcia e Juarez trocaram o número do telefone. Passaram a se falar diariamente. Juarez convidou-a para sair. Lúcia recusou e chamou-o para ir até sua casa. As visitas tornaram-se freqüentes. A amizade cresceu. A mãe, observadora, comentou:
- Esse rapaz está apaixonado por você. Percebo pelo olhar.
- Que nada, mãe. É só amizade. Não posso amar e nem ser amada.
- O que é isso, Lúcia?! Você é mulher, tem sentimentos.
- Mãe, vamos acabar com esse assunto. Está resolvido e assim será.

Num sábado, os pais de Lúcia saíram e eles ficaram sozinhos. Comiam brigadeiro, quando Juarez fez o pedido, cheio de ternura:
- Lúcia, gostei de você desde a primeira vez que a vi. Quer namorar comigo?
- Namorar?
- Sim e quem sabe mais tarde casar?!
- Não posso. Somos amigos.
- Não gosta de mim?
- Sou incapaz. Não vê?
- E daí? Isso não impede o nosso amor.
- E quando se cansar? Quando sairmos, terá que carregar minha cadeira. As pessoas vão olhar e comentar: que homem bonito e com uma aleijada!
- Nunca! Nunca deixarei que humilhem você.
- Um dia se enche de tudo. As mulheres ficam à sua volta como moscas no mel. E eu, inválida, não poderei impedir o assédio histérico.
- Mas gosto de você!
- Gosta agora. Mas pode me responder se vai gostar amanhã? Pode?

Abraçou Lúcia com sofreguidão. Ela não correspondeu e pediu que ele fosse embora. Ainda implorou, mas Lúcia foi enérgica. Não teve pena. E ainda gritou:
- Hoje é você quem chora, amanhã, pode ser eu!!!

Saiu confuso e procurou Cláudio para desabafar.
- Sofrendo por causa daquelazinha sem graça? Você é boa pinta, pode ter a mulher que quiser.
- Quero ela! Gosto dela!
- Isso passa!
 
Não passou. Durante um mês tentou contato com Lúcia, sem sucesso. A dor da saudade desnorteou Juarez. Perdeu o apetite e a vontade de viver. Foi abandonado pela razão. Tornou-se um mendigo do amor. Numa sexta-feira à noite, Lúcia e a mãe viam novela, quando a campainha tocou. Dona Inês olhou pelo olho mágico.
- É Juarez.
- Não atende!

Ele sabia que estavam em casa. Escutava o som da televisão. Começou a gritar do lado de fora:
- Lúcia, amo você. Me deixa entrar! Eu faço o que você quiser para provar que meu amor é verdadeiro!

Uma hora de choro e gritaria. Lúcia não se comoveu. Os vizinhos reclamaram. Juarez só foi embora porque o porteiro ameaçou chamar a polícia. Na calçada, andava cambaleando, embriagado pela tristeza. Atravessou a rua sem olhar. Foi atropelado por um microônibus. O barulho da freada e de vidros quebrando chamou a atenção dos pedestres. Logo, uma multidão de curiosos se aglomerou em volta de Juarez. A ambulância chegou. Os paramédicos colocaram o atropelado na maca e comentaram, comovidos:
- Tão novo! E é grave! Parece que o coitado fraturou a coluna.

Ao ouvir a frase, os olhos de Juarez brilharam. Consciente, chamou baixinho pelo médico que estava lhe verificando a pressão e, com um sorriso de satisfação nos lábios, perguntou, com empolgação adolescente:
- Estou paralítico, doutor? É pra sempre?


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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