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Contos
09/10/2008 - 15h35
A vingança de Lara
Celamar Maione
 

Final de expediente. Saí do trabalho e fui tomar um drink no barzinho de música ao vivo que inaugurou perto do escritório. Entrei sozinho, fazendo reconhecimento do ambiente, desatei o nó da gravata e pedi uma cerveja. Tentando ser agradável, comentei com o barman:
- Você é um cara de sorte, trabalha num lugar cheio de mulher bonita.

Ele me respondeu com um sorriso seco, me serviu e foi atender outro cliente. Pensei em Marly. Estamos juntos há dez anos e na época da TPM sempre brigamos. Por isso que, ao invés de ir pra casa, preferi relaxar ouvindo música e quem sabe encontrando uma mulher para me proporcionar bons momentos. Nunca fui fiel. Fidelidade é utopia. Olhei curioso para a pista de dança e avistei uma mulher alta, num vestido preto, colado ao corpo bem torneado. Os cabelos longos e negros lembravam Cleópatra. Seus movimentos sinuosos me deram tesão. Era uma égua puro-sangue. Extasiei-me com a cena. Nossos olhares se cruzaram. Ela parou de dançar e veio em minha direção. Abriu um sorriso provocante, segurou os cabelos e deixou-os cair displicentes:
- Me paga uma cerveja?

Meus olhos famintos penetraram-lhe as artérias como uma faca amolada rasgando a carne. A vida é surpreendente. A cada segundo tudo pode mudar. Conversávamos muito próximos.
- Desculpe, estou tão impressionado com a sua beleza, que ainda não perguntei seu nome – brinquei.
- Meu nome é Larissa, mas pode me chamar de Lara.

Nos apresentamos. O celular vibrou. Era Marly. Desliguei. “Pirei por Lara, Larissa”.
- Você não quer ir para um lugar menos barulhento? – perguntei baixinho, no ouvido dela.
Ela jogou os cabelos pra trás e fez beicinho:
- Claro. Assim ficamos à vontade.

Passamos duas horas de puro prazer e êxtase. Lara adormeceu. Voltei à realidade. Olhei o relógio, preocupado. Dei um pulo: “Onze horas! É hoje que Marly me expulsa de casa”.
- Lara, acorda, precisamos ir.
- Não vamos dormir aqui?
- Não posso.
- Por quê?
- Sou casado.
- Por que não me disse antes?
- Você não me perguntou.

Lara se levantou da cama, colocou o vestido, enfiou a calcinha dentro da bolsa, e antes de sair, me deu um tapa no rosto.
- Deveria ter me contado. Eu tinha o direito de escolher.

“Será que ela pensou que eu fosse pedi-la em casamento?” As mulheres são cheias de fantasias românticas. Não adiantou nada queimarem sutiãs em praça pública, se ainda sonham com o príncipe encantado, que vai libertá-las da bruxa malvada.

Cheguei em casa quase meia-noite. Marly dormia igual a um anjo. Acordei com o café na cama. Marly é um amor. Fizemos as pazes. Só voltei a ter notícias de Lara dois meses depois, quando abri a porta do meu apartamento e a vi sentada no sofá, de pernas cruzadas, conversando com minha esposa. Senti uma pontada na boca do estômago. Marly me trouxe de volta:
- Querido, deixa eu te apresentar Larissa. Minha nova amiga da academia.

Jantou conosco. Durante o jantar, seus olhos pretos e irônicos desafiavam-me. Quando foi embora, Marly comentou:
- Simpática minha nova amiga, né?
- Não gostei.
- Você nunca implicou com amiga minha.
- Não estou implicando. Só disse que não gostei.
- Larissa é uma mulher carente. Uma semana antes do casamento, descobriu que o noivo era casado. Passou cinco anos no analista.

“Como é que eu podia adivinhar?” Da próxima vez que eu pegar uma mulher para dar uma rapidinha, peço para falar primeiro dos traumas passados. Que azar o meu, as duas tornaram-se amigas! Lara chegou a nos apresentar o namorado. O romance durou pouco. Além de alcoólatra, era viciado em jogo.
 
Num sábado chuvoso, a campainha tocou insistente. Era Larissa. Estava com os olhos vermelhos de choro. Avisei que Marly voltaria logo. Convidei-a para entrar com um leve toque nos braços. Ela deu um salto e gritou:
- Não toque em mim. Nunca mais toque em mim. ENTENDEU?!

Fiquei sem ação. Vi o ódio em seus olhos. Pareciam duas lâminas prontas para me cortar. Senti pena daquela mulher linda e carente. Na segunda-feira cheguei do trabalho mais cedo. Marly fazia as malas.
- Vamos viajar?
- Não. Nosso casamento acabou. Vou-me embora.
- Tá de sacanagem!?
- Estou apaixonada por outra pessoa.
- Quem?
- Larissa. Lara.
- Apaixonada por mulher?! Que brincadeira é essa?! Você nunca foi lésbica.

Segui Marly até a sala. Pedi que ficasse. Bateu a porta na minha cara. O apartamento ficou enorme. Minha pose de macho desabou. Tinha 15 anos quando chorei pela última vez. O vizinho da casa amarela furou minha bola de futebol novinha que ganhei do meu pai. Durante duas semanas não tive notícias de Marly. Fui até o bar onde vi Lara pela primeira vez. Encontrei-as dançando. Me aproximei. Marly virou o rosto e saiu. Segurei Lara pelo braço. Ela me empurrou.
- Já disse que não quero que me toque.
- Pode me dizer o que você falou com a MINHA ESPOSA para ela sair de casa?!

Foi fria e sarcástica:
- Não falei. Fiz.
- O que você está querendo dizer?
- Você é uma merda na cama, seu babaca. Naquela noite não gozei.

Marly voltou carregando um copo de caipirinha em cada mão. Deixaram-me sozinho na pista. Perdi. Fazer o quê? Uma loira peituda, com um vestido vermelho, me puxou pelo braço. Apertei-a contra o meu corpo. Ela gemeu. Mulher é caixinha de surpresa. Amo-as.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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