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Contos
22/09/2008 - 16h12
A esposa do corno
Celamar Maione
 

- Atira se você é homem!
- Vou atirar, não duvida de mim.
- Atira aqui ó, no meio da testa.
- Genilda, você está brincando com a verdade. Vou atirar!
- Anda! Atira!

Jorge Antonio deu um tiro pro alto, jogou a arma no chão, sentou na beira da cama e começou a chorar igual a uma criança.
- Sou um merda! Nem coragem para atirar em você eu tenho.
- A culpa é do seu amigo que fica me caluniando.
- Por que ele faria isso?
- Inveja.
- Ele me garantiu que viu você na garagem com o Egberto, do nono andar.
- Mentira! Nunca traí você!

Arrependido, Jorge Antonio ajoelhou-se diante da mulher.
- Me perdoa?! Nunca mais eu faço isso. Juro. Perdi a cabeça. Perdoa?!
 Ela o empurrou com os pés e fez dengo com a voz.
- Só perdôo se você fizer uma coisa. Uma coisinha só!
- Fala, moreco, diz que eu faço! Tudo o que você quiser.
- Quero uma televisão nova.
- Vou comprar. A melhor da loja. A maior!

Fizeram as pazes. Passaram a noite entre risadinhas e beliscões. Depois do café, Jorge Antonio saiu para o trabalho e Genilda foi até o apartamento de Getúlio. Quando ele abriu a porta, ela entrou decidida.
- O que você tinha que contar para o Jorge Antonio que me viu na garagem?
- Ei, calminha, aí! Convidei você pra entrar? Pode saindo.
- Nada disso. Estou aqui porque você se meteu na minha vida.
- Sou amigo do Jorge Antonio e tinha que contar que a mulher dele tava de sacanagem com outro. Os homens são unidos. Um por todos, todos por um – disse, debochado.

Genilda mudou de estratégia. Molhou os lábios, levantou o vestido e jogou:
- O que eu preciso fazer para você desmentir essa história?
- Quê isso! O Jorge Antonio vai ficar furioso comigo. Sou homem de palavra.
- Diz que foi uma brincadeira. Uma aposta. Sei lá. Tá com medo dele? – provocou.
- E eu lá tenho medo de homem?!
- Então, o que você quer que eu faça pra você desmentir?
- Vai fazer? Tem certeza? O que eu pedir?
- Faço!
- Então vem cá.

Genilda saiu da casa do vizinho com voz mansa e sorriso nos lábios.
- Confio em você.
- Deixa comigo – disse, sem muita convicção.

A mulher ganhou a televisão, mas Jorge Antonio tornou-se um homem desconfiado. Quando encontrava Egberto no elevador, comentava, enciumado:
- Não posso imaginar você com esse cara. Jura que nunca houve nada entre vocês?
- Juro. Getúlio tava brincando e você, ingênuo, caiu na brincadeira. Pergunta pra ele.

Perguntou. O amigo não desmentiu, ao contrário, fez suspense, deixando-o mais intrigado. Genilda ficou furiosa com o cinismo de Getúlio. Encontraram-se no elevador. Sentindo-se enganada, cobrou:
- Combinei com você uma coisa e você não cumpriu. Jorge Antonio continua desconfiado. Corno teimoso é fogo! Custava ter desmentido?
Getúlio pigarreou, passou a mão pelos cabelos e ajeitou a camisa.
- Não me vendo tão fácil. Pra desmentir, quero mais.

O elevador chegou no térreo. Genilda fez cara de nojo e ameaçou:
- Chantagista de merda. VOCÊ VAI ME PAGAR!
Ao invés de ir ao supermercado, procurou Egberto no trabalho.
- Preciso muito falar com você.
- Aqui?
- É urgente. Sabe o amigo do Jorge Antonio? O Getúlio?
- Sei, aquele bêbado que mora no quarto andar?
- Isso. Ele nos viu na garagem e disse que vai contar para o Jorge Antonio. Se contar, meu marido mata você.
- Duvido. Conta nada. Ele não tem prova. Será a palavra dele contra a nossa.
- Me mostrou as fotos que tirou no celular – mentiu.
- Jura?
- Juro. Ameaçou mostrar pra todo mundo na próxima reunião de condomínio. Imagina o escândalo? Sua candidatura para síndico vai escorrer pelo ralo.
- Que pilantra! Vou bater um papo com ele. Deixa comigo.
- Vai preparado. Ele é violento. Vou marcar o encontro pra hoje, às oito, na garagem.

Voltou pra casa com um sorriso maquiavélico e ligou para Getúlio:
- Sabe a proposta do elevador? Eu topo. Hoje á noite. Espero você na garagem.
Genilda jantou, lavou a louça e comentou com Jorge Antonio:
- Vou no apartamento da Maria do Carmo. Volto logo.
- Não vai ver a novela?
- Dá tempo, em vinte minutos estou de volta.

Chegou na garagem sete e quarenta. Getúlio foi pontual. Beijaram-se. Genilda correspondeu, mas assim que viu Egberto, começou a gritar:
- Além de fofoqueiro, é tarado! Me larga. Socorro! Me dá o celular.
Egberto aproximou-se aos berros:
- Larga ela! Anda! Passa o celular! Quero as fotos!

Getúlio arregalou os olhos e empurrou Genilda.
- Que fotos?! O que é que você está fazendo aqui?
Iniciaram uma violenta discussão. Genilda chamou o porteiro:
- Corre, Seu Amarildo! Corre! Dois moradores estão brigando na garagem.

Chegaram a tempo de ver Egberto dar o terceiro tiro no peito de Getúlio. Confusão. Gritaria. Os moradores do condomínio apareceram atraídos pela tragédia. Genilda chorava, histérica. Um choro falso, de cinema.
- Eu vi tudo! O Egberto é um maníaco tarado! Assassino!

Atordoado, Jorge Antonio apareceu e levou Genilda com ele. No apartamento, perguntou, desconfiado:
- Posso saber o que você fazia na garagem?
- Quer saber? Tem certeza?

Aproximou-se sensualmente e puxou o marido pela camisa.
- Posso pedir uma coisa? Uma coisinha só? – fez charme.
- O que você quiser – desmontou.
- Me ameaça com a arma novamente? Naquele dia você me deixou com tesão!

Jorge Antonio deu um riso tímido e correu desajeitado até o armário.


Nota do Editor: Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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