Terça-feira, dez e meia da noite. Heloísa passa pela sala em direção a área de serviço, quando André Henrique dá um grito: - Heloísa! - Ai meu Deus, que susto. Quer me matar? - Por que você está com as mãos fechadas? O que você tá escondendo? - Não é nada. Deixa de ser curioso – e deu uma risada sem graça. - Mostra. - Já disse, não é nada. - E por que não posso ver? Que mistério é esse? - O que você acha que tenho nas mãos? Uma bomba? - Não disfarça com piadinha. Abre a mão, anda. - Que baixaria, agora que não mostro mesmo. - Você tem andado muito estranha. Vou me aborrecer e a gente vai brigar por besteira. Abre essa mão, anda. - Quem está brigando por besteira é você. Cisma boba. - Se é cisma, mostra. Quero ver. Contrariada, Heloísa obedece. André Henrique enruga a testa e aperta os olhos. - Que calcinha é essa? - Minha. De quem mais pode ser? - Nunca vi essa branca de rendinha e cavada ainda por cima. - Comprei hoje. - Tá molhada. Você lavou. Compra calcinha suja agora? - Lavei pra usar limpinha com você, mas depois desse show perdi o tesão. - Lavando calcinha nova? Não me enrola. Tenho cara de palhaço? - Essa é boa. Além de controlar o horário que eu chego em casa, vai controlar também a lavagem das minhas calcinhas? - Sou seu marido. - Ser meu marido não lhe dá o direito de controlar minhas roupas íntimas. - Tenho que tomar conta do que é meu. - O seu ciúme estraga tudo, sabia? Não adianta querer agradar. - Você nunca quis me agradar, Heloísa. - Quanta ingratidão! E no dia que eu almocei na casa da sua mãe e ela fez galinha assada? Você sabe que eu detesto. Mas comi pra te agradar. - Não mete mãe no meio. Tô falando de mim. - Ué, mas agradar sogra é a mesma coisa que agradar marido. - Tá ficando sonsa? Estou falando de nós dois. De sexo. - Qual o problema? - Você tem deixado a desejar. Parece um robô na cama. - Ah é? Engraçado, você nunca reclamou do robozinho aqui. - Você não é a mesma. Quando a gente acaba de transar, você vira para o lado e dorme. - Tenho andado cansada. Muito trabalho. - Isso não é motivo. Sexo é bom pra relaxar. - Conversamos mais tarde sobre a nossa vida sexual. Deixa eu colocar minha calcinha pra secar. - Me dá a calcinha, anda. - Não. É minha. - Me dá, Heloísa, deixa de ser infantil. - Infantil é você. - Me dá essa merda aqui. - Não dou. Começam a gritar. Ele puxa de um lado. Ela do outro. - André Henrique, os vizinhos vão botar nosso nome no livro! - Se você me der a calcinha a discussão acaba. - Larga. André Henrique arranca a calcinha da mão de Heloísa e cheira. - Essa calcinha não é nova. Tá cheirando a homem. Tá saindo com quem? - Pára de colocar merda na cabeça. Eu não tenho ninguém. Me dá a calcinha. - Se eu não devolver o que vai acontecer? - Experimenta não devolver. - Vai me bater? Tá muito cheia de valentia. Muito cheia de nhenhenhém. - Tudo por causa de uma calcinha nova! Não acredito. Seu ciúme passou dos limites. - É? Essa você não usa mais. Detesto calcinha branca. E jogou pela janela. - Sabia que custou dinheiro? - Eu pago. Quanto foi? - Você é paranóico. Hoje joga a calcinha, amanhã pode me jogar. - Não seja dramática. Acabou a discussão. Boa noite. André Henrique vai para o quarto resmungando. Heloísa chega na janela e vê um homem olhando pra cima. Envergonhada, esconde-se. Dois minutos depois, o interfone toca. - Dona Heloísa, é o Raimundo. Tem um moço aqui na portaria querendo falar com a senhora. Posso mandar subir? - Não! Vou descer. Chega na portaria e encontra um homem alto, elegante, cabelos pretos, olhos esverdeados, boca carnuda e um sorriso de capa de revista. Sem jeito, fala baixinho: - Boa noite, o senhor deseja falar comigo? O desconhecido estica a mão e se apresenta. Em seguida, tira a calcinha do bolso da jaqueta de couro e entrega a Heloísa: - Acho que caiu do seu apartamento. É sua? Ela estica a mão intimidada. - Caiu na sua cabeça? Desculpe, não tive a intenção. - Não precisa se desculpar. Adorei o encontro inusitado. Sou um homem de sorte. Você é muito bonita. - Obrigada – responde com modéstia. - Estarei sendo ousado se lhe pedir o número do seu telefone? – disse com voz rouca e sensual. - Serve o celular? Ela volta para o apartamento com um sorriso de felicidade nos lábios. Entra e vai direto para a cozinha esconder a calcinha atrás da geladeira. Deita-se devagar para não acordar o marido. Estremece quando escuta a voz de André Henrique: - Quem era no interfone? - O Raimundo pra avisar que você deixou o farol do carro aceso. - Apagou? - Apaguei. - Ah tá! Boa noite. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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