Lemos lia o jornal no sofá da sala, depois do almoço de sábado, quando Narinha apareceu, eufórica. - Adivinha quem vem passar seis meses aqui no Rio? - E eu sei lá. - A Nice. - Nice? Sua sobrinha? A filha da Sônia? - É, homem. Tá com a memória fraca? - É a filha caçula da sua irmã, não é? Faz tempo que a gente não vê a Nice. - Oito anos. A última vez, foi quando passaram o natal no Rio. A Nice agora tá com vinte anos. Vem fazer um curso no Rio e vai ficar aqui em casa. - Aqui? Já vi que vamos ter dor de cabeça. - Deixa disso. Será um prazer receber minha sobrinha. Seis meses só. - Quero ver. - Ela chega na segunda. - Mas já? - Sim. A Sônia falou comigo agora pelo telefone. Segunda-feira, quando Lemos voltou do trabalho encontrou a sobrinha sentada, confortavelmente, no sofá da sala. Assim que ele apareceu, ela correu para abraçá-lo. - Tio, quanto tempo! Que saudade. O senhor continua o mesmo. Nice apertou Lemos com força, roçando o corpo no dele. Sem graça, ele desvencilhou-se e cumprimentou a jovem, friamente. Morena, das coxas grossas, cabelos cacheados e muito namoradeira, ela sabia o impacto que causava nos homens e adorava provocá-los com olhares convidativos. O tio foi o primeiro homem que a rejeitara. Sentindo-se desprezada, ficou curiosa para descobrir o que Lemos escondia por trás daquela aparente virtude. Impetuosa, no dia seguinte, assim que o tio saiu para o trabalho, perguntou a Narinha em tom amistoso: - Tio Lemos é bom marido? - Em que sentido? - Ele comparece na hora do sexo. - Nossa Nice, que pergunta! Me deixou sem graça agora. - Só queria saber. A senhora não precisa responder. Eu entendo. - Bom perguntar. Preciso mesmo desabafar. Acho que Lemos tem outra. Não fazemos sexo há cinco meses. Ele perdeu o interesse por mim. - Conversa com ele, tia. Pressiona. A senhora é muito nova para ficar sem sexo. - Em primeiro lugar, tira esse negócio de senhora. Estou com 34 anos. Somos amigas. Passaram a manhã arquitetando uma maneira de descobrir se Lemos tinha uma amante. No final da conversa, Nice perguntou: - Tem certeza, tia? Será que vai dar certo? Posso mesmo? - Vamos testar a fidelidade dele. Quero ver se ele me trai ou é broxa. Com a aprovação da tia, Nice passou a insinuar-se para Lemos. Quando ele chegava do trabalho, a sobrinha o recebia numa camisola transparente. Sem saber como sair dos assédios, que o constrangiam, reclamou com a esposa: - Será que você não percebe o que está acontecendo dentro da sua casa? - O que? - Sua sobrinha me assedia. - E daí? Nem me preocupo. Você não é de nada mesmo. - Duvida da minha masculinidade? Não provoca, hein?! - Tá aí, estou provocando. O que você vai fazer? Vai transar comigo ou com ela? - Já vi tudo, sua sobrinha tá colocando coisa na sua cabeça. Irritado, Lemos mudou de assunto, falando sobre a previsão do tempo. Narinha achou estranho. Depois de quase dois meses assediando o tio, sem sucesso, Nice concluiu: - Sabe o que eu acho tia? Jura que não vai ficar zangada comigo? - Juro. Diga. Anda. Quero saber sua opinião. - Tio Lemos é gay. Casou para disfarçar. Me rejeita o tempo todo. Finge que nem é com ele. Nenhum homem agiria assim. Só gay, tia. Só gay. Depois da conversa com a sobrinha, Narinha passou a observar as atitudes do marido. Será mesmo que casara-se com um gay? Talvez a culpa fosse dela. Vai ver era fria na cama. Por isso ele resolveu ser gay. Será que se ela fosse mais ousada no sexo, Lemos voltaria a ser homem? Não parava de pensar. A cabeça girava. Passou noites insones. Imaginava o marido beijando outro homem e sentia náusea. Esperaria Nice voltar para Brasília e conversaria mais á vontade com o marido. Dois dias depois da sobrinha partir, Narinha agiu. Lemos jantava, depois do trabalho, quando ela perguntou, sem rodeios: - Você é gay? Seja sincero. Não me faça sofrer. Pego de surpresa, Lemos tomou um copo de água para se recuperar e respondeu, secamente: - Quer a verdade? Tem certeza? Vai suportar? - Suporto tudo. Não agüento mais mentira. - Então aguarde. Amanhã vai saber de tudo. Vamos acabar com isso. E não reclame, viu. - Não vou reclamar. Quero a verdade, por pior que seja. Narinha passou a sexta-feira angustiada. No final da tarde, Lemos ligou: - Toma um banho bem relaxante que é hoje. Ela atendeu o pedido de Lemos e caprichou no visual. Colocou a colônia preferida, penteou os cabelos e passou um batom vermelho e sensual. Esperou o marido com o coração disparado. Quando ele abriu a porta, acompanhado de um homem alto e elegante, ela não entendeu. Sorridente, Lemos os apresentou: - Narinha, minha esposa. - Narinha, esse é o Rocha, colega de escritório. Faz sala pra ele, enquanto tomo um banho. E serve esse vinho, por favor. Confusa, Narinha colocou o vinho na taça e estendeu as mãos trêmulas para Rocha. Ele pegou-a suavemente pelo braço e puxou-a para perto dele. Entorpecida, ela obedeceu. Em seguida, beijou-a docemente nos lábios. Narinha correspondeu. Empolgado, Rocha passou-lhe as mãos pelo corpo, enquanto tirava-lhe as peças de roupa, jogando-as para Lemos, que sentado na cadeira de balanço, observava os dois, com os olhos faiscando de prazer. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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