Deisiane olhou-se mais uma vez no espelho e retocou a maquiagem para disfarçar a ruga que insistia em aparecer perto dos olhos. Em seguida, pegou a bolsa, ajeitou os cabelos pintados de chocolate e entrou no primeiro táxi que parou. Passava das 11 quando chegou na festa de aniversário de Mariozinho. As amigas fizeram um sinal e Deisiane se aproximou, comentando, desanimada: - As mesmas pessoas de sempre. Os mesmos sorrisos forçados da última festa. As amigas interromperam, contrariadas: - Nossa, Dei, quanto mau-humor! A festa está cheia de homem bonito. Poderoso! Ela olhou para os lados e debochou: - Cadê? Não tô vendo nenhum. Aliás, eu queria mesmo era um homem que tivesse caráter, tá difícil. - Vem, vamos pegar alguma coisa para beber, pra você se animar. Saíram pela festa, gesticulando e falando alto. Pararam para cumprimentar alguns amigos. Deisiane não se empolgou. Apareceu na festa depois de muita insistência. Não tinha ânimo para diversões. Sentia-se fracassada com o fim do segundo casamento. Chorosa, comentou, até, que um dia viraria lésbica. As amigas espantaram-se. Ela reafirmou, em tom de brincadeira: - Quem sabe assim não consigo amar alguém? - Nem olha pra mim, hein! Vai me dizer que você nunca amou o Arthur? - Éramos muito novos quando casamos. Arthur é um infiel compulsivo. Não dá para amar um sujeito assim. Dor de cabeça pelo resto da vida. - Mas e o seu primeiro namorado? O Gerson? - Coisa de adolescente, passou. - E o Mazinho? Tá toda tristinha com o fim do casamento. - Triste com o fim do SEGUNDO casamento. Não por ele. Mazinho é muito mentiroso. Ainda por cima grosso e agressivo. - Nossa, quem diria, com aquela carinha de calmo! - Convive com aquela carinha. Você vai adorar – falou, com ironia na voz. Lídia, a melhor amiga, apertou os lábios pensativa. - Um dia você vai amar de verdade. Eu já amei três vezes. Embora tenha sofrido nas três. Você sabe. - Francamente, amar não vale a pena. Aliás, amor, não, escravidão sentimental. - Nossa, você está muito amarga! Dê mais uma chance para o seu coração. - Mais do que já dei? Meu nível de tolerância zerou. Amor é investimento e ultimamente sem retorno. - Você está exagerando. Homem perfeito não existe. - Eu até concordo. Mas aceitar um balde de imperfeição é falta de auto-estima feminina. Desculpa esfarrapada para ficar numa relação neurótica. - Dei, para conviver tem que perdoar. Tolerar. Até mesmo traição. - Ah não, Lídia, papo religioso pra cima de mim durante a festa, não. - Mas o perdão é a base do relacionamento. Deisiane interrompeu a amiga, balançando a cabeça, contrariada. - Se você perdoa uma, vai passar o resto da vida perdoando. Não tenho vocação para irmã de caridade. Esperançosas de mudarem o ânimo de Deisiane, as amigas pegaram-na pelo braço. - Vamos correr a festa. Tem alguns homens interessantes que você não conhece. - Que tal aquele branquinho sorridente? - Aquele com pose de Mister Universo? Narcisista demais. Aposto que antes do sexo fica se olhando no espelho. - Que mulher exigente! E aquele ali? - Infiel. Está conversando com uma e olhando para outra. Reparem. As amigas achavam Deisiane um caso perdido. Exigente demais. Desistiram e comentaram, magoadas: - O problema é seu, sabia? - É, devo sofrer de alguma compulsão. Quem sabe a síndrome da insatisfação? E sorria. Um riso triste. Solitário. A amiga mais extrovertida, tentando quebrar o clima pesado, brincou: - Você sofre de uma síndrome chamada síndrome da vagina carente! - Vagina ou coração? Silenciaram. A festa continuava animada. A música alta agitava os convidados. Só Deisiane não se divertia. Sentada num sofá, com uma taça de vinho entre as mãos, olhava os convidados como se fossem extraterrestres. Observava. Desaprovava. As amigas é que, de vez em quando, faziam-na voltar à realidade. - Olha quem chegou: O Adolfo. Ele não é lindo? - Tem quatro namoradas. É o típico Dom Juan de merda. Cara nojento! - O Adolfo? Não diga. Quem lhe contou? - Uma das namoradas trabalha comigo. E acha muito natural dividir. - Cada um é feliz do jeito que sabe. Com essa escassez de homem, ela tá certa – falou Ana, amante de um homem casado. - Eu acho que isso não é felicidade, é falta de higiene – retrucou Deisiane, entediada. - Com você não existe argumento, chega! Vamos dançar. - Vão vocês. Prefiro ficar no meu canto observando. Aproveitando a distração das amigas, saiu da festa discretamente. Na volta pra casa, olhava as ruas vazias e se angustiava. A solidão da noite apertava-lhe o peito. Não trocou uma palavra com o taxista. Entrou em casa sentindo um imenso vazio. Enquanto tomava banho, as lágrimas escorriam-lhe pela face, misturando-se à água morna. Acabou o banho, foi até a cozinha, fez um chá e bebeu-o, em estado catatônico. Em seguida, foi até o criado-mudo, abriu a gaveta e pegou algumas anotações. Como quem olha uma vitrine apetitosa, fez a escolha e leu a meia voz: - Moreno, corpo atlético, vinte anos. Satisfação garantida. Ligou, ansiosa. Combinou preço e hora. Deitou-se com uma serenidade no olhar, de invejar as amigas: “Quem disse que felicidade não se compra?“ – pensou. Respirou sonhadora, ajeitou o travesseiro, virou-se para o lado e adormeceu. Um sono tranqüilo e reparador. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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