Terminei meu plantão e entrei no boteco, doido por uma cerveja. Trabalhei o sábado inteiro tirando foto de cadáver. Estava puto com a minha vida de merda e com a calhordice humana. Tenho seis irmãos. Sou o filho caçula, o único solteiro. Voltar pra casa significa aturar a úlcera crônica do meu pai e a artrose da minha mãe. Só bebendo pra esquecer. Pedi uma cerveja ao Antonio. Quando saboreava meu primeiro gole, uma ruiva franzina, cabelos escorridos, olhos de beagle e rosto afilado, entrou e seguiu em direção ao balcão. Pediu um maço de cigarro. Tirou do bolso o dinheiro amassado e jogou pro Antonio. A ruiva me intrigou. Gosto de desvendar mistério. Me aproximei. Ela cheirava a colônia ordinária, misturada com cigarro. Aquele cheiro de vagabunda me deixou com tesão. Resolvi brincar. - Cigarro faz mal a saúde, gata! - Vai se foder, cara! Te perguntei alguma coisa? Deu um pinote e saiu sem olhar pra trás. Fiquei com cara de babaca. O Antonio riu de peidar. Sentei no meu canto e bebi outro copo. Não era o meu dia de sorte. Decidi acabar com a garrafa e pegar meu ônibus pra Nilópolis. Chegaria em casa, tomaria um banho quente e assistiria uma merda qualquer na tv até pegar no sono. Pensava na minha cama quentinha, quando a ruiva voltou. Ela sentou-se na minha frente e começou a chorar. Fiquei sem ação. Não sabia se coçava o saco, se pedia outra cerveja, se perguntava o nome dela. Me enrolei todo. Juro. E ela abrindo o berreiro. Nestas horas o Antonio sabia o que fazer. Era um psicólogo de boteco. Trouxe outra cerveja. Enchi um copo e estiquei minha mão pra ruiva. - Bebe e pára de chorar, porra! Ela entornou tudo de uma vez. Arrotou na minha cara, tirou a garrafa da minha mão e encheu o copo de novo. Peguei de volta. - Peraí, me diz primeiro o que tá acontecendo. Quer se matar? - Quero. - Por quê? - Meu namorado terminou comigo. Tá apaixonado por outra. - Quantos anos você tem? - Vinte. - Tá de sacanagem? Com essa idade e chorando por causa de homem? - E tem idade pra chorar? Que teoria babaca, cara! Vai me dar sermão agora? - Tá cheio de homem carente por aí, precisando de um colo – brinquei. - Eu quero ele. - Ele fode gostoso? - Caramba, você é mais grosso do que eu. Vou nessa me atirar na frente de um carro. - Peraí. Não faz drama. Senta. Segurei o braço da ruiva, aflito. Eu atraia morte. “Vou dar um porre nessa aprendiz de suicida” – pensei. Bebemos oito garrafas de cerveja. Ela ficou alegrinha. Ria de qualquer besteira que eu falava. Uma da madrugada. A essa hora não voltaria mais para Nilópolis. Joguei: - E aí, ruiva? Onde você mora? - Pô eu moro com o meu ex. Mas ele não deve tá e eu não tenho a chave. - O que você acha da gente dormir num motel aqui na Mem de Sá? - É um convite? - Se você quiser. - Vamos nessa. Agarrei a ruiva pelo ombro e lá fomos nós desafiando a madrugada. Entramos num motelzinho ordinário, como ela. Subimos por uma escada de madeira barulhenta. Abri a porta. O cheiro de mofo me deu azia. Escancarei a janela cheirando a cupim. A ruiva sentou na cama. Perguntei, tirando a calça: - Quem vai tomar banho primeiro? - Vai você. - Fica quieta aí, hein?! Não vai fazer merda! - Pode deixar! - Posso te fazer uma pergunta? - Faz. - Tá menstruada? - Não. Por quê? - Não transo com mulher menstruada. - E quem disse que a gente vai transar? - É, não vai. Tomei um banho frio. Esfreguei o sabonete quase arranhando meu corpo. Acho que eu tinha esperança de me livrar das mazelas daquele dia com água e sabão. Saí do banheiro sem roupa. A ruiva foi tomar banho. Voltou nua. Muito magra. Branca demais. Pálida. Perdi o tesão. Mas não podia recusar carne fresca. Não tem coisa pior para um macho do que ser chamado de broxa. Fechei os olhos e pensei na peituda da minha rua que não me dava bola. Deu certo. Foi rapidinho. Peguei no sono com a ruiva reclamando: - Igual a todos os homens. Fode mal. Vira pro o lado e dorme. Babaca. Acordei com o estômago reclamando e o hálito fedegoso. Sete horas. Olhei para o lado e não vi a ruiva. Tomei uma chuveirada. Peguei minhas coisas e o maço de cigarro dela em cima da cadeira. O cara da portaria não a viu sair. Caminhei pelas ruas com um mau pressentimento. Quando entrei na Gomes Freire vi uma pequena multidão olhando pro céu. Era a ruiva, do alto de um prédio, ameaçando se jogar. Me aproximei de um cara vestido com roupa de trocador. - Há quanto tempo ela tá aí? - Sei não. Cheguei agora. Tão comentando que ela foi corneada. Acho que o namorado é aquele ali. Vi o cara conversando com um policial. Fui até eles e me identifiquei. O rapaz era o namorado da ruiva. Chamei o colega para um canto e comentei: - Se o cara tá aí, ela não vai se jogar. - Como é que você sabe? Conhece a moça? - De vista. Quando ela sair do terraço, dá o maço de cigarro pra ela. Diz que foi o, diz nada não. Tchau. “Caramba” - pensei. “Fui pra cama com a mulher e nem sei o nome dela.”. Andei até a Central do Brasil e peguei meu ônibus pra casa. Sentei no último banco. Olhei pela janela e respirei o ar poluído. O céu azul me deixou esperançoso. Me deu vontade de cochilar. Recostei no banco e quando tava quase dormindo, escutei alguém gritando: - Perdeu, cara! Perdeu! Dá o celular, anda! Vou te furar todo! Porra, passa logo! Dois homens roubavam os passageiros. Quando chegou a minha vez foi tudo muito rápido. Prendi a respiração, peguei minha pistola e mirei no assaltante com o trêsoitão: - Vamos ver quem vai pro inferno primeiro!? Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
|