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Contos
30/06/2008 - 13h37
O sorriso de Elisa
Celamar Maione
 

Perdi a virgindade aos quatorze anos. O nome dela era Elisa. Casada, vinte e cinco anos. Morávamos no mesmo prédio. A primeira vez que eu a vi foi no elevador. Eu dizia para um colega que não gostava de literatura e ficava puto quando a professora me pedia para recitar Álvares de Azevedo. Elisa me olhava atentamente. Quando o elevador chegou no oitavo andar, ela pegou minha mão e me fez o convite:
- Aparece lá em casa amanhã. Apartamento 802. Comigo você vai aprender literatura.
- Quanto você cobra pela aula particular? – disse, inocente. – Tenho que falar com a minha mãe primeiro.
- É de graça. Mas não fala nada com a sua mãe. Segredo nosso.
- Valeu então, até amanhã.
- Espero você às 3 da tarde.

No dia seguinte não conseguia me concentrar na aula. Pensava como aquela mulher com rosto de anjo, olhos amendoados e cabelos cor-de-mel me ensinaria literatura. Cheguei em casa e engoli a comida. Minha mãe me deu uma bronca. Argumentei que o Maurício me aguardava na casa dele para estudarmos. Mamãe respirou aliviada e colocou as mãos pro alto.
- Até que enfim esse menino começa a se interessar pelos estudos! Minhas preces foram atendidas!

Saí apressado. Meu nariz fungava de nervoso. Quando cheguei na casa de Elisa, ela me esperava com uma camisola transparente. Fiquei envergonhado. Ela agiu naturalmente e me convidou para entrar.
- Trouxe o livro?

Elisa me explicava a lição enquanto me alisava. No segundo encontro, assim que sentei no sofá, ela foi tirando a minha roupa e me beijou na boca. Fiquei com medo da minha inexperiência. Ela percebeu e me mandou relaxar. Obedeci e foi o grande acontecimento da minha adolescência. Passamos a nos encontrar três vezes por semana. Quando eu perguntava pelo marido, ela desconversava:
- É um bêbado mulherengo.
- Você gosta dele?
- E isso interessa, por acaso, meu menino amante?

Era assim que ela me chamava. Nos encontramos, clandestinamente, durante dois anos. Numa sexta-feira chuvosa, esbarrei com Elisa chorando no elevador. Ela me puxou pelo braço e me levou até seu apartamento. Fizemos amor gostoso. No dia seguinte, soube que se mudara. Fiquei triste durante uma semana. Mas, nessa idade, tudo é passageiro, e eu estava apenas começando a me movimentar pelos bastidores do delicioso jogo do sexo. Josué, meu amigo espinhento, foi quem abriu meus olhos.
- Porra cara, te invejo! Ainda sou virgem e agora, com toda a experiência que você tem, poderá comer muita xoxota.

Passei a ser conhecido no prédio como o comedor. Dava dicas sexuais para a rapaziada menos experiente e as garotas mais velhas quando sabiam de Elisa, me desafiavam. Queriam fazer melhor. Dava duas trepadas no máximo com cada uma. Me tornei um especialista na arte do sumiço. Quando completei dezoito anos já tinha uma boa quantidade de xoxotas na minha lista. Cobrava para dar dicas aos mais novos.

Aos vinte, entrei para a faculdade de odontologia e passei a ajudar meu pai no consultório. Comi quase todas as clientes dele. Descobri que as mulheres são sonsas e sacanas. A maioria mal-amada. Basta saber tocá-las que se entregam facilmente. No dia da minha formatura, conheci a irmã de uma colega de turma. Se chamava Elisa. Lembrei na hora da minha primeira trepada. Terminamos a noite num barzinho.

Durante a conversa, coloquei minhas mãos nas belas pernas de Elisa. Ela deixou. Quando saímos do bar, tentei levá-la para o motel. Ela resistiu e me chamou de machista. Era o primeiro desafio sexual da minha vida. Até conhecê-la, minha fama de irresistível não tinha sido abalada. Ensaiei um namoro para levá-la pra cama. A arma maior de todo conquistador é a paciência. Levei dois meses só no papo. Consegui. Depois de quatro trepadas, desencantei. Ia terminar. Elisa engravidou. Quase apanhei ao dizer para abortar. Quando cheguei em casa, minha mãe me deu os parabéns.
- Já soube da novidade. Finalmente vou ganhar um neto!

Me senti um babaca. Tão metido a esperto e caí no golpe mais antigo, utilizado pelas mulheres, para prender um homem. Assumi a merda que fiz. No dia do casamento, Elisa me ameaçou no altar falando baixinho:
- Sei das suas putarias. Ou você entra na linha, ou vai se ver comigo!

Nosso primeiro ano de casamento foi a pior fase da minha vida. Elisa descobria minhas escapulidas e ia atrás dos meus casos tomar satisfação. Pensei em sumir no mundo. Tive pena do meu filho recém-nascido. Não queria deixá-lo sozinho com a louca da Elisa. Quando Junior fez dois anos, pedi a separação. Elisa engravidou novamente. Nova pressão da família. Adiei minha liberdade. Ela me ameaçou:
- Pensa que sou boba? Você é meu e de mais ninguém.

Não transávamos desde que ela engravidara do segundo filho. Planejava me separar após o nascimento da criança. Planos quase nunca dão certo. O futuro pode ser desagradável. Foi assim comigo. Como sempre fazia, cheguei do trabalho tarde da noite para não aturar as reclamações de Elisa.

A rua estava escura e silenciosa. Desci do carro para abrir o portão da garagem, quando senti um cano duro e gelado na minha testa. Olhei de rabo de olho e vi um cara armado. Meu coração disparou. Ele cheirava a suor e maconha. Tentei manter a calma. Levantei os braços e falei com cuidado:
- Toma a chave do carro. Pode levar.

Drogado, o cara gritava coisas desconexas. Argumentei acreditando que seria inútil:
- Larga essa arma rapaz. Leva o carro, vale mais do que eu.

Olhei pra minha casa e vi a luz do quarto acesa. Elisa estava na janela com um sorriso maquiavélico. Escutei ao longe o barulho de uma sirene. O matador engatilhou a arma. Me caguei todo. Detesto literatura.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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